NOSSAS LETRAS

ELA

Todas as noites quando se preparava para dormir repassava em sua mente todos os seus erros, corrigia-os e continuava (...). Leia a crônica de Júlia Gonçalves.

Por Júlia Gonçalves | 06/08/2022 | Tempo de leitura: 4 min
especial para o GCN

Todas as noites quando se preparava para dormir repassava em sua mente todos os seus erros, corrigia-os e continuava até ver qual seria o resultado final. Nada mudava.

Obsessivamente buscava encontrar uma razão, e por mais que tentasse nunca encontrava motivos. Em seu coração sentia o peso da ingratidão que a consumia pouco a pouco. Que culpa tinha?

Por muito tempo submergida no passado de forma irracional vasculhava lembranças esperançosa de que encontrando o ponto de partida pra perdição poderia mudar toda uma vida de abandono. Nada encontrou.

Grande parte de sua vida ainda jovem viveu no passado, condenada pela solidão que crescia dentro dela como um câncer que nem mesmo o ressentimento poderia atá-la a vida

O que poderia Ela fazer a não ser encontrar o causador de sua escuridão?

Vivemos em uma sociedade apavorada, temos casas com muros grandes, cercas e câmeras de segurança. Nos asseguramos por todos os meios possíveis de que aquilo que nos pertence não seja roubado. Alarmes para carros e casas, grupos de bairro para monitoramento e preservação da vizinhança, senhas e conversas criptografadas de ponta a ponta. Alguns se armam, outros vivem armados esperando sempre o pior de qualquer um. Tudo pela segurança.

Ao mesmo tempo expomos nossas vidas escrachadamente nas redes sociais. É incrível quantas informações podemos conseguir de uma pessoa através daquilo que ela publica. Quem são seus familiares, amigos, uma enxurrada de fotos dos filhos e pets. Lugares que frequenta e a periodicidade em que vai a esses lugares. Fotos em casa, na porta de casa, na frente do carro com aqueles adesivos de desenhos representando os membros da família, um a um.

O ego virtual despe o ser humano de toda sua segurança, e foi assim que Ela conseguiu pouco a pouco tramar sua vingança. Pegou as melhores fotos dos seus desamores e começou a rastrear suas vidas que estavam anos à frente da dela, e todos os dias quando se preparava pra dormir repassava em sua mente todos os momentos de dedicação, porque sim, Ela os ouvira. Não escutava apenas, Ela os ouvira. Era atenciosa aos detalhes e extremamente observadora, sempre a postos para agradar, antecipava os desejos de seus amados; os analisava e os compreendia, buscando sempre entender como satisfazer seus desejos. Revisava as confidencias mais profundas depois de uma noite de amor. Ela se dedicava a servi-los de maneira que fossem felizes, e assim viverem juntos essa felicidade.

 Sua vingança não resultaria em morte, mas de alguma forma seus desamores tinham que pagar, afinal Ela se doou totalmente e nada recebeu em troca.

Ferir um homem é algo fácil, ainda mais pra Ela que os conhecia de forma tão profunda. A fragilidade da masculinidade daria a Ela a chance de faze-los sentir o quão insignificante podemos transformar uma pessoa.

Ela começaria pelas relações. Um filho se espelha no pai afim de construir sua personalidade masculina e posteriormente passará a vida buscando por alguém que corresponda a mãe. Tudo estava nas redes sociais, uma mensagem e a imagem de bom filho e ótimo pai seria transformada em decepção. Não posso dizer com certeza que todas as declarações seriam fatos, mas elas estavam lá, dentro de sua mente traumatizada e amarga.

Depois o ego. Ela os ouvira, foi amiga e compreensiva, sabia exatamente como ferir a dignidade de um homem. O sexo nunca foi o mais importante em um relacionamento, Ela queria ser amada, compreendida, queria que eles a ouvissem e admirassem, então relevou deles muitos deslizes e insatisfações, Ela sabia que aquilo os envergonhava profundamente.

Por fim, os medos. Ela ouviu cada desabafo, cada insegurança sempre segurando em suas mãos. Muitas vezes ajudou a buscar soluções para aquilo que amedrontava seus afetos. Assombra-los seria fácil, como para um fantasma bater portas e mover objetos de uma casa.

A cada noite seu plano era alinhavado costurando informações a um tecido de memorias de tristeza, vergonha e desgosto. Feita sua colcha, e preparada para executar seu plano de vingança, saiu para se preparar. Arrumou-se como quem sai para comemorar mais um ano de vida, colocou a melhor roupa, soltou os cabelos e ousou passar um batom vermelho. Era um dia glorioso. Ao sair de casa, procurou um lugar confortável para executar sua vingança e no caminho sentia o vento balançando os cabelos que há tempos não ficavam livres, pensou em como aquele dia estava lindo, o céu azul vivo, o sol esquentando seu rosto, era o dia perfeito. Ela levou consigo apenas o celular. Sentou-se em bar e pediu um drink bonito que Ela nem apreciava, mas o dia merecia beleza.

Num momento de descuido alguém se aproximou, gentilmente pediu para se sentar e de forma muito simpática a abordou, surpresa esqueceu-se completamente de seu plano e envolveu-se naquela atmosfera de mistério, foram horas de conversas e risadas, que nem perceberam que o dia havia se passado. Trocaram telefones e confidencias. Ele tinha um ótimo senso de humor e uma facilidade de se conectar que a fixou em suas palavras, Ela o ouviu a noite toda e algo profundo lhe dizia que dessa vez seria diferente.

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