NOSSAS LETRAS

Tropismo

A fama chegou para as ninfeias com Claude Monet, líder do movimento impressionista, surgido a partir da tela “Impressão: Sol Nascente”. Leia a crônica de Sonia Machiavelli.

Por Sonia Machiavelli | 16/07/2022 | Tempo de leitura: 4 min
especial para o GCN

A fama chegou para as ninfeias com Claude Monet, líder do movimento impressionista, surgido a partir da tela “Impressão: Sol Nascente”, assinada pelo francês. Surgia nova representação da realidade, marcando reviravolta na pintura do século XIX. Monet se dizia inspirado pelas estampas japonesas de Hokusai.

Apaixonado pelas flores exóticas, conhecidas também por nenúfares, depois de algumas fases ele sonhou um grande jardim para acolher essas  espécies  vegetais importadas do país do Sol nascente. Quando se mudou de Paris para a bucólica Giverny, colocou em prática o sonho. Quem conhece o lugar, aberto à visitação na primavera//verão, pode avaliar o quanto toda aquela beleza lhe custou.

Em primeiro lugar, precisou construir tanques, pois ninfeias são plantas aquáticas. Enfrentou protestos da vizinhança, habituada a lavar roupas no rio que cortava a propriedade e abastecia os reservatórios da pequena cidade. Os moradores acreditavam que aquelas criaturas verdes exóticas envenenavam a água, além de encardir as roupas. Depois, houve outro contratempo. Era necessário aquecer a água, o que exigiu muito em termos financeiros; mas ninfeias só floresceriam sob determinada temperatura e Monet investiu tudo o que tinha no projeto.

Seus últimos trinta anos foram dedicados a elas; cultivá-las e pintá-las, seu leit motiv. Vida e obra desenvolveram-se em torno do jardim e principalmente do lago, ao qual ele acrescentou cada vez mais ninfeias. Em 1895 orientou a construção da Ponte Japonesa, em madeira, e depois a adornou com glicínias. Pelo número de reprodução em cartões, livros e imagens digitalizadas, deve ser conhecida por milhões de pessoas ao redor do mundo.

Em certa altura, antes que a catarata comprometesse quase 80% de sua visão, o pintor enquadrou o lago num zoom e ali mergulhou por completo. Depois das grandes composições e das vistas parciais do lago com a ponte, Monet congelou para olhares pósteros pormenores  da  água onde o céu estava presente através de seu reflexo.

O movimento que fez ao longo do tempo, lembra muito o que dirá Marcel Proust de outro artista, seu alterego, a quem a pintura de Vermeer resplandecia toda ela num pedacinho de muro que ele contemplava extasiado numa exposição em Paris.   

Depois da morte de Monet em 1926, as telas chamadas “ninfeias” foram instaladas em diferentes museus franceses e esquecidas. Reavaliadas em meados do século passado (como o jardim e a casa onde o pintor morou e recebeu os grandes artistas de sua época), hoje as que restam são negociadas em milionários leilões de arte. A última delas, da coleção de David Rockfeller, foi vendida por 70,4 milhões de dólares em 2021. Havia ficado 35 anos nas mãos de uma mesma família.

Os jardins de Giverny, criados para serem pintados, não são formados apenas por ninfeias. Há roseiras, petúnias, glicínias, girassóis, dálias, cravos, muitos arbustos. Mas seu coração é o lago, casa das ninfeias que o grego Teofrasto, pai da Botânica, já admirava, tendo sido o primeiro a registrar que suas folhas conseguiam flutuar porque continham câmeras de ar no seu interior.

Culturas diversas tratam com misticismo essas flores que estiveram associadas às ninfas, na Antiguidade clássica. Segundo algumas tribos de nativos norte-americanos, elas acolhem duendes. Para os eslavos, possuem poderes mágicos e protegem os viajantes. De acordo com as espécies, podem ser brancas, róseas, amarelas e até azuis. As folhas ora são gigantescas como as da vitória-régia; medianas, como as do lago de Giverny; ou bem pequenas, como as do Horto Florestal de Campos do Jordão, que tive o privilégio de visitar recentemente. Pena não ter visto as flores.

“É que elas só desabrocham durante dois meses do ano”, esclareceu a guia para nosso grupo de visitantes. E completou com sua voz acetinada: “Nos dias mais quentes, por volta das dez horas, elas vêm subindo devagar e quando chegam à tona abrem suas pétalas, se exibindo até que comece o crepúsculo. Então vão se fechando e mergulham na água, voltam de onde vieram.”

Contei essa peculiaridade à minha professora de otimismo, que me esclareceu: “Isso se chama tropismo, nome que se dá ao fenômeno em que certas plantas se movimentam na direção dos raios solares.”

Indo além do mundo vegetal e emparelhando com o da arte, penso ser algo de que todos necessitamos no reino humano.  Um Sol que nos aqueça e encante a ponto de deixarmos os subterrâneos frios nos quais às vezes nos enclausuram ou nos enclausuramos. Nessa hora feliz brilhamos como as ninfeias que Monet imortalizou.

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