NOSSAS LETRAS

Casa de Hóspedes

Por Sonia Machiavelli | 09/07/2022 | Tempo de leitura: 3 min
especial para o GCN

“O ser humano é uma casa de hóspedes.
Toda manhã uma nova chegada.
A alegria, a depressão, a falta de sentido, como visitantes inesperados.
Receba e entretenha a todos
Mesmo que seja uma multidão de dores
Que violentamente varrem sua casa e tira seus móveis.
Ainda assim trate seus hóspedes honradamente.
Eles podem estar te limpando
para um novo prazer.
O pensamento escuro, a vergonha, a malícia,
encontre-os à porta sorrindo.
Agradeça a quem vem,
porque cada um foi enviado
como um guardião do além”

Há poemas que não precisam de explicação. Dizem verdades a todos, independente da escolaridade e da cultura de quem os ouve ou lê. O que inicia esta crônica tem como autor Mevlana, no Ocidente conhecido como Rumi.  Ele nasceu em 1207, no Afeganistão, numa família reconhecida pelo avançado grau de conhecimento. Todos precisaram deixar o país quando os exércitos mongóis o invadiram. Migraram para a Turquia, e se estabeleceram na Anatólia e depois em Kônya. Quando o pai morreu, Mevlana ocupou seu lugar de professor, porque já era reconhecido como sábio, ainda que jovem.  Tornou-se por essa época amigo de um dervixe, com quem costumava discutir filosofia. Essa relação constituiu fonte de inspiração e o motivou a escrever sua maior obra, Mesnevi, coleção de 25 mil poemas, dos quais muitos continuam a ser traduzidos para idiomas diversos neste século XXI.  Biógrafos definem Mevlana como um homem amoroso e pacífico, que acreditava num Deus habitando o coração das pessoas.

O poema Casa de Hóspedes, já a partir do título, é todo construído em metáforas, comparação subentendida entre dois elementos e ferramenta poderosa na comunicação humana. Dizem especialistas que é quase impossível não fazermos uso delas em nosso cotidiano. Estudos semânticos contemporâneos revelam que falantes do português usam, em média, duas metáforas por minuto. Mas é na poesia que elas emergem de forma suave ou intensa para expressar emoções e ideias difíceis de serem explicadas racionalmente. Dores, alegrias, ódios, espantos, tristezas, angústias, lutos, euforias, mágoas, orgulhos, epifanias, desprezo, ansiedade- quem consegue definir de forma denotativa? O bem, o mal, o transcendente, a vida, a morte, o inferno, o paraíso, o ser, o nada, a náusea- como traduzi-los em palavras concretas?

A casa de hóspedes é nossa alma, nossa mente, coração, psiquismo ou outra palavra que se use para traduzir nosso íntimo. Os visitantes são as emoções que devemos acolher e não rejeitar. Tratar bem as dores não é fácil- dirá uma leitora, um leitor que por acaso passem os olhos por aqui. Eu lhes dou razão. Mas também concordo com o poeta, que nos aconselha a tratar a todos os hóspedes/sentimentos de forma digna, pois eles carregam sentidos, podem representar a limpeza necessária num espaço que precisa acolher coisas novas.

Tive o privilégio de conhecer o mausoléu de Mevlana em Kônya, há dez anos. Éramos um pequeno grupo e entre os companheiros de viagem se encontrava Rita Moscardini, que agora voltou à Turquia e fez questão de visitar outra vez a belíssima cidade. De lá ela me enviou o poema para relembrar nossas conversas sobre o poeta/filósofo. Agradeço os versos inspiradores, plenos de sabedoria, desveladores de aspectos essenciais da existência dos quais tantas vezes nos descuidamos.

Obrigada, Rita!

Fale com o GCN/Sampi! Tem alguma sugestão de pauta ou quer apontar uma correção?
Clique aqui e fale com nossos repórteres.

Receba as notícias mais relevantes de Franca e região direto no seu WhatsApp
Participe da Comunidade

COMENTÁRIOS

A responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores. Por isso, os leitores e usuários desse canal encontram-se sujeitos às condições de uso do portal de internet do Portal SAMPI e se comprometem a respeitar o código de Conduta On-line do SAMPI.