NOSSAS LETRAS

A Felicidade e o seu conceito na contemporaneidade

Uma das grandes coisas que a filosofia e a literatura têm a nos ensinar é que devemos desconfiar das coisas e não as naturalizar. Leia o artigo de Ângela Zamora Cilento.

Por Ângela Zamora Cilento | 02/07/2022 | Tempo de leitura: 3 min
especial para o GCN

Uma das grandes coisas que a filosofia e a literatura têm a nos ensinar é que devemos desconfiar das coisas e não as naturalizar, como quando dizemos para nós mesmos: "Ah! Mas sempre foi assim", e encerramos de imediato qualquer questionamento a respeito.

Uma delas, sem dúvidas, reside no conceito de felicidade que está em voga na modernidade, erroneamente associada ao dinheiro. Claro que ninguém pode ser feliz quando falta o pão à mesa e não devemos deixar de lutar para que todas as condições básicas de sobrevivência sejam oferecidas a todos, mas ter dinheiro não significa ter felicidade. Este tipo de raciocínio é falacioso.

A contemporaneidade é sustentada pelos princípios do utilitarismo, onde se cria a associação que bom é aquilo que é útil e agradável. Ora, então corremos atrás do confortável: de bens materiais, para tê-los sempre e mais. Certos produtos que adquirimos carregam consigo uma camuflagem: acreditamos comprar também valores e um estilo de vida que nos é inferida por suas propagandas.

A grande tarefa de nossa existência é termos que olhar para cima, além do presente e de nossas necessidades imediatas -- olhar para cima é reaprender a admirarmos o céu estrelado sobre nossas cabeças e a vida pulsante de tudo o que há em nosso redor com o mesmo espanto que faz uma criança, seria também tomarmos consciência de nossa finitude, para procurarmos ser pessoas melhores no tempo que nos resta. Sim, porque é apenas o hoje e este momento do agora que é o que temos, efetivamente. Não há como carregar o passado, senão apenas na memória. Não há como predizer o futuro e nem se estaremos aqui amanhã. Estarmos vivos é o nosso maior presente, ainda que não estejamos sem preocupações.

Para Aristóteles, a vida feliz parece estar conforme a virtude, sendo ela de sério esforço e não de divertimento. Em outros termos, a felicidade consiste na execução de uma atividade que seja própria do homem -- fazer o que gosta e gostar daquilo que se faz. Não é possível ser feliz quando se é frustrado em suas possibilidades de ser e nem se não fizer com alegria. Não há dinheiro no mundo que pague trabalhar uma vida inteira em algo que não se goste de fazer -- enorme pesadelo. Nos dias de hoje, poderíamos realizar uma transposição com o trabalho: quando nos realizamos naquilo que fazemos, somos felizes, pois isso é algo que só depende de nós, ainda que tudo em volta não esteja exatamente como desejamos ou gostaríamos.

A felicidade ativa está de acordo com a virtude, pois o homem encontra prazer em si mesmo. Em outros termos, a vida moderna, ao adotar o utilitarismo, provoca uma inversão de valores -- sendo excelente naquilo que se faz, pode-se ter bens e não o contrário -- não necessariamente é preciso ter bens para ser feliz.

"Não se conquistam e conservam as virtudes com os bens exteriores, mas estes com aquelas... Está fora de discussão, pois que a cada um toca tanto de felicidade como de virtude que possua e de sabedoria e conduta em conformidade com elas: e Deus é testemunha, pois é feliz e bem-aventurado, não por bem exterior algum, mas por si mesmo e por ter tal natureza." (ARISTÓTELES, 2010, VII,1,1). O homem feliz vive bem porque se conduz bem. Ela condiz com a atividade pela busca da excelência, de modo que ele suportará as vicissitudes com maior galhardia e dignidade.

Mas só há um jeito de ser feliz nesta vida: fazendo aquilo de que se gosta e tendo prazer naquilo que faz. Aristóteles falará nesta possibilidade com a busca pela excelência, não porque os outros esperam, mas porque há a realização de si. Não devemos nos iludir com a busca pelo sucesso, como se ele fosse o único valor essencial -- sucesso e dinheiro. É bem possível ter sucesso sendo um bom profissional e fazendo o que se gosta.

Em segundo lugar, só seremos felizes se cultivarmos verdadeiros amigos, desejando a eles o mesmo bem que se deseja a si mesmo, esperando que eles sejam um verdadeiro espelho, dizendo-nos a verdade, mesmo que não gostemos de ouvi-la.

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