NOSSAS LETRAS

O anel de Giges

Era uma vez um pastor de ovelhas respeitado em sua aldeia por muitas qualidades. Leia a crônica de Sonia Machiavelli.

Por Sonia Machiavelli | 02/07/2022 | Tempo de leitura: 3 min
especial para o GCN

Era uma vez um pastor de ovelhas respeitado em sua aldeia por muitas qualidades. Chamava-se Giges e era tido como exemplar pela bondade, companheirismo, honestidade, amor ao trabalho e a defesa intransigente da verdade.

Um dia, estando a pastorear seu pequeno rebanho, viu que se formava uma tempestade. Escondeu-se numa gruta com seus animais e ali ficou a ouvir estrondos, estalidos e até um ranger de terra.

Passado algum tempo, certificando-se de que o temporal havia passado, tomou o rumo da aldeia. No caminho foi atraído por uma fresta que não observara antes em paredão de pedra. Olhou e viu um cavalo de cobre, grande escultura que apresentava no dorso algo como uma janela. Curioso, esgueirou-se pela fenda e alcançou a tal abertura, de onde viu o cadáver de um homem em cuja mão direita brilhava um anel. Retirou-o, tomou-o para si, colocou-o em seu dedo e seguiu caminho.

Dias depois, encontrando-se em reunião com outros pastores, que procuravam se documentar em resposta a uma ordem real, Giges rolou no dedo o anel, que tinha uma discreta pedra incrustada. Atônito, percebeu que quando a pedra ficava voltada para a palma de sua mão, ele se tornava invisível a seus companheiros. Nada disse a respeito, mas logo conseguiu deslocar-se até o paço e colocar-se a serviço do rei como um singelo mensageiro. Aos poucos, usando seu poder, foi galgando posições. Seduziu a rainha, intrigou os cortesãos e matou o rei, cujo trono passou a ocupar.

Essa história foi escrita em outro estilo por Platão (408- 348 a.C), filósofo do período clássico da Grécia, criador da Academia de Atenas, a primeira instituição de educação superior do mundo ocidental. Aluno de Sócrates, professor de Aristóteles, em seus escritos personagens tratam de diversos temas:  política, arte, religião, ética, justiça, medicina, vício e virtude, crime e castigo, sofrimento e prazer, sexualidade e natureza humana, amor e sabedoria - entre outros. É no segundo volume de A República, obra que resiste há 2400 anos, que encontramos a narrativa sobre Giges e seu anel.

Numa abordagem popular no que diz respeito à saga, mas profunda nos sentidos, Platão nos induz a algumas reflexões. Negando o que vovô Nicolau dirá no século XVI, o fim não justifica os meios: para que o objetivo alcançado seja louvável, os meios para obtê-lo devem ser honestos. Por outro lado, antecipando a assertiva do florentino, apontará cristalina verdade: para se conhecer a essência de um humano, dê-lhe poder. O honrado Giges, valoroso na sua singela vida pastoril, depois de encontrar o anel mágico torna-se um crápula.

Eduardo Gianetti, filósofo também, atraído pelo tema publicou um livro com este título- O anel de Giges- onde sugere que devemos desconfiar de nós mesmos e nos questionarmos continuamente enquanto espectadores de nossa  própria vida, especialmente  em circunstâncias inusitadas. O que você faria se tal anel chegasse às suas mãos, caro leitor, querida leitora? O que eu faria, me pergunto também.

Reencontrando Platão através de Gianetti, lembrei-me de minha professora de terceiro ano do curso primário, dona Nair. Ela nos aconselhava a nos mantermos sempre verdadeiras, justas, bondosas, honestas e compassivas não apenas quando estivéssemos sob olhar dos outros, mas principalmente quando ninguém nos estivesse observando.

O mais bonito disso tudo é que dona Nair nunca havia lido Platão.

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