NOSSAS LETRAS

Tempo de excessos

Estamos vivendo na pós-modernidade o tempo dos excessos: de ambição, vaidade, poder, velocidade, voracidade, consumo... Leia a crônica de Sonia Machiavelli.

Por Sonia Machiavelli | 11/06/2022 | Tempo de leitura: 4 min
especial para o GCN

 Alexandre, o Grande (356 a.C.), rei da Macedônia.
Alexandre, o Grande (356 a.C.), rei da Macedônia.

Assisti na quinta-feira, 9, à bela e inspiradora live de Leonardo Boff e Edu Moreira cujo tema foi Como viver na moderação e equilíbrio. O evento gratuito foi patrocinado pelo Instituto Conhecimento Liberta.

Para manter a atenção dos inscritos, neste mundo onde qualquer coisa nos dispersa, os autores postaram com antecedência duas histórias conhecidas e capazes de nos deixar antenados por pertencerem ao acervo da memória coletiva. Uma pertence à literatura; é ficção. Outra, à história, é realidade. Ambas têm por berço a Grécia.

A primeira mostra Dédalo, inventor de muitos talentos, rendendo-se aos desejos do filho Ícaro, que tinha grande vontade de voar. Mesmo contrariado, o artesão criou um par de asas com penas vigorosas e uma cera especial. Ajustou-as às costas do menino e lhe fez duas advertências: “Não voe muito baixo, porque os respingos das ondas molharão as penas e elas ficarão pesadas. Mas não voe muito alto, porque o calor do Sol derreterá a cera que mantém as penas unidas.” Acontece que Ícaro, extasiado diante da beleza revelada a seus olhos cada vez que subia, esqueceu-se dos conselhos do pai. Os raios solares derreteram a cera do engenhoso invento, destacaram-se as penas, o menino caiu no mar.

A segunda nos remete à vida de Alexandre, o Grande (356 a.C.), rei da Macedônia. Educado para as atividades guerreiras e governamentais, sorveu de seus mestres o espírito da cultura, os sistemas das praxes políticas e da civilização da pólis grega. Mas foi sua colossal ambição que marcou sua existência.  Aos 13 anos, tendo visto seu pai ser assassinado, lutou pelo trono e em poucos meses, contando com o apoio de dois generais, fez ruir todas as tentativas de rebelião. O que aconteceu dali até a sua morte, aos 34 anos, leva ainda hoje à perplexidade alguns historiadores e à inspiração muitos artistas. A batalha de Gaugamela, contra Dario, imperador da Pérsia, rendeu há alguns anos um grande filme. Depois dela, Alexandre subjugou a Babilônia e a Mesopotâmia. Com tais trunfos, esperavam seus súditos e generais que serenasse e se dedicasse a administrar o vasto império. Mas, não. Ele continuou avançando e teria chegado ao mar oriental, seu propósito, se um mosquito não o tivesse picado, inoculando-lhe o vírus causador da febre do Nilo. Morreu em menos de uma semana, em 13 de junho de 323 a.C.

Foi excessivo Ícaro, ao se deixar seduzir pela beleza, esquecido dos avisos do pai.  Foi excessivo Alexandre, a quem as conquistas pareciam sempre insuficientes.  A Grécia nos ensina, se queremos aprender. Sobrou ambição e faltaram limites a Ícaro e Alexandre.

As duas histórias trazidas à baila tiveram o objetivo de alertar para um fato que vem sendo discutido há pelo menos duas décadas por filósofos, psicólogos, artistas, biólogos, religiosos, escritores e toda gente que presta atenção aos movimentos do mundo e da humanidade. Estamos vivendo na pós-modernidade o tempo dos excessos: de ambição, vaidade, poder, velocidade, voracidade, consumo...

Na live, que foi também um chamamento para o lançamento de seu livro -O pescador ambicioso e o peixe encantado. A busca pela justa medida-, Leonardo Boff atentou para a necessidade que temos, neste momento histórico que vivemos, de buscar um equilíbrio nas principais dimensões da vida, e assim entendermos as ameaças que pesam sobre o nosso futuro.

 Deste nosso lado do mundo, desde que colonizadores ibéricos e outros europeus chegaram às Américas, a vontade de poder como dominação deu origem a consequências sinistras, como a morte de milhões de povos nativos, verdadeiro genocídio, e a busca de tudo o que a Nova Terra oferecia, de madeiras a minérios.  “Deixamos de reconhecer limites no saber, no ter, no poder, no acumular, no consumir, no dominar e até no destruir tudo, inclusive a nós próprios. Precisamos encontrar o justo ponto, o equilíbrio para tentarmos salvar o planeta Terra e todos os seres nele viventes”, diz Boff.

Também penso que necessitamos de reencontrar o equilíbrio, a autolimitação, a moderação, a medida sensata, à qual Boff chama de justa. E isso deve começar já; e com nossas crianças também.  Humanos somos seres desejantes; mas como o desejo não se basta com a conquista do objeto desejado, e busca sempre mais, olhemos com cuidado para meninos e meninas que possuem tantos brinquedos que os abandonam ainda novinhos, querendo outros que resolvam seu tédio. Impor limites é uma das mais importantes tarefas dos pais. Sempre foi, acredito.

Precisamos nos reeducar para educar as crianças e mudar o jeito de viver. Isso é urgente. Porque, se há quem tenha excesso de brinquedos, comida, roupas, viagem, espaços e toda a perfumaria circunstancial, em nosso país há quem não tenha o básico e sobrevive na miséria. São milhões.

Passa da hora de retomar o pensamento de Aristóteles: “Virtus in medium est.”

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