OPINIÃO

Francanas?

Muitas delas não nasceram em Franca, vieram de algum lugar do Brasil, nem sei de onde. Mas se tornaram francanas. Da gema. Leia o artigo de Lúcia Brigagão.

Por Lúcia Brigagão | 29/05/2022 | Tempo de leitura: 4 min
especial para o GCN

“Para d. Ritinha, uma recordação da sua velha amiga Ambrozina G. Ribeiro.
Franca, 13 de outubro de 1940.”

Muitas delas não nasceram em Franca, vieram de algum lugar do Brasil, nem sei de onde. Mas se tornaram francanas. Da gema. Francanas, como elas, são diferentes. São atrevidas. São fortes. São aguerridas, são corajosas. São diferentes das mulheres de outras, quase diria nacionalidades... Vêm mansinho - outra particularidade destas estrangeiras - e se tornam francanas por efeito da Água da Careta, acredito. Elas chegam à minha memória vindas de tempos diferentes, fora de cronologia. E trazem consigo as marcas que as diferenciam. E suas bizarrices, peculiaridades.

Tenho até fotografia, muito antiga, talvez produto dos primeiros daguerreótipos, dessa pioneira mulher que surge na minha memória: Carlina Ribeiro. Professora de História do IETC por muitos anos, desde os anos 40 do século passado, dona Carlina era filha de grande amiga de minha avó materna, dona Ambrozina. A fotografia dela, em branco e preto, estava entre as relíquias e preciosidades guardadas dentro da mala de papelão, junto com aquelas outras que vovó usava para ilustrar suas histórias cujos enredos me acalmavam.

Um dia a escolhi, entre outras fotos antigas, para enfeitar a parede que eu chamava de “Parede dos meus Amores Espontâneos”, quando construí minha casa, há quarenta anos. Dona Carlina era proprietária e dirigia carro pequeno e, se bem me lembro, foi uma das primeiras, senão a primeira mulher de Franca que vi atrás de uma direção. Tinha, porém, algumas idiossincrasias pessoais que aplicava no trânsito... Por exemplo, nas aulas, ela pedia que abríssemos o livro didático numa parte tal, página tal e nomeava algum aluno para ler o texto publicado. No meio da leitura, ela dizia “Pode parar, muito obrigada” e em seguida, nomeava outro aluno, mandava continuar... Ai de quem não estivesse atento e errasse a continuação. Todas as vezes que eu deveria, por nomeação, continuar, dava um jeito de pular dois ou três parágrafos. Quebrava a continuidade e a lógica do texto, ela ficava brava comigo, mas em seguida, seus olhos brilhavam atrás das lentes grossas de sua miopia: ela gostava de mim, ela me perdoava... Outra particularidade sua: jamais subiu, de carro, a Voluntários da Franca. Não sei o motivo, talvez a inclinação da rua, talvez a claridade excessiva no período da tarde, do meio para o fim da via. Teve um filho, Carlos, sua paixão, que minha mãe amamentou quando recém-nascido, junto com minha irmã. Três gerações, portanto, nos ligaram: a de sua mãe, a dela própria e a de seu filho. Dizem, não foi feliz no final da vida, mas mereceria.

Outra professora, que não era francana de nascimento, mas que eu adorava e recebia seu carinho em reciprocidade, foi Lúcia Gissi Ceraso. Não nascera aqui, mas adotou as Três Colinas como se fossem suas, louvou, exaltou e divulgou nosso poderio, nosso café, nosso sapato. Acima de tudo era brasileira e ensinou a várias gerações as mais belas canções patrióticas, fazia espetáculos de exaltação ao Brasil.

Mais uma professora, Maria Inês Vilhena, de Geografia. Sou craque em diferenciar cumulus, cirrus e stratus, em saber a localização de mares e países, visitei muitos dos lugares que ela citava em suas aulas. Ela sempre foi muito séria. Mas ria com os olhos. Acho que foi difícil para ela segurar o riso quando, numa aula em que falávamos sobre a Grécia e suas edificações, perguntei sobre o Templo Romano de Évora, também chamado Diana. Enfeitei o nome próprio com a pronúncia inglesa, influenciada pelo Paul Anka e soltei um templo de “daiana”, do qual me arrependo até hoje... Dona Maria Inês ficou vermelhinha, não riu de mim, mas corrigiu: “Di-a-na, Lúcia Helena, di-a-na!”... Ela não se lembra, mas jamais esqueci...

Tem Suely Crespo, “estrangeira” que nasceu, acredito, no Rio de Janeiro. Ela chegou feito uma valquíria por aqui. Alta, muito alta, bonita, muito bonita, abalou geral a Terra das Três Colinas com sua pronúncia, seu glamour e modificou usos e costumes. Foi ela quem, pela primeira vez entrou sozinha num café na Praça Barão da Franca, reduto masculino por excelência, descida de um jipe, veículo tipicamente masculino, de calças compridas, até então de uso exclusivamente masculino... Obrigada, meu Deus!!! Tive o privilégio de acompanhar a sequência de todas estas contravenções, pessoalmente. E Franca nunca mais foi a mesma!

Há, ainda, as francanas da gema. Mas falo delas outro dia...

Lúcia Helena Maniglia Brigagão é publicitária e escritora.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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