OPINIÃO

Carlos de Assumpção: 95 anos

Nada era mais importante em Franca na última semana do que o 95º aniversário do senhor Carlos de Assumpção. Leia o artigo de Guilherme Cortez.

Por Guilherme Cortez | 29/05/2022 | Tempo de leitura: 3 min
especial para o GCN

"Mesmo que voltem as costas
Às minhas palavras de fogo
Não pararei de gritar
Não pararei
Não pararei de gritar
Senhores
Eu fui enviado ao mundo
Para protestar
Mentiras ouropéis nada
Nada me fará calar."
(Protesto, Carlos de Assumpção)

A Prefeitura poderia ter decretado ponto facultativo municipal. Exposições e apresentações deveriam ser organizadas em toda a cidade. Cada escola e faculdade devia ter incluído a data em seus calendários. Nada era mais importante em Franca na última semana do que o 95º aniversário do senhor Carlos de Assumpção. Afinal, não é pouca coisa ter entre nós, morando aqui em nossa cidade, um dos maiores nomes vivos da literatura brasileira e uma fonte inesgotável de sabedoria.

Por uma feliz combinação de acontecimentos, quis o destino que Franca fosse a cidade escolhida pelo tieteense Carlos de Assumpção para fazer sua morada. Nascido no dia 23 de maio de 1927, seu Carlos estudou letras na antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Franca, que posteriormente seria incorporada à Unesp. Depois se tornou advogado pela Faculdade de Direito de Franca. Nunca mais deixou a terra das três colinas – honra maior não pode haver para uma cidade.

Foi através da poesia que Carlos de Assumpção ganhou projeção e reconhecimento nacional e internacional. Sua obra mais famosa, o poema Protesto, se tornou um hino da resistência do povo negro que vem desde o Quilombo dos Palmares até os dias de hoje. Em 1958, recebeu o título de Personalidade Negra. Em 82, foi escolhido Personalidade do Ano de Franca. Professor incansável, nunca deixou de visitar escolas e falar sobre a potência da literatura para jovens estudantes. Criou o Sarau Protesto para difundir poesia, por meio do qual inúmeras pessoas despertaram para a sua magia.

Em homenagem ao seu 95º apagar de velinhas, o Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra de Franca organizou uma linda cerimônia na Casa de Cultura e do Artista Francano, que leva o nome de outro importante pensador e militante negro que por aqui viveu: Abdias do Nascimento.

Todas as homenagens seriam poucas para um gigante como seu Carlos de Assumpção. Seus versos, carregados de rebeldia e sabedoria, são um legado inestimável para nossa cultura e para o país. Só mesmo o racismo estrutural no qual o Brasil vive imerso há séculos explica como uma figura de tamanha estatura não esteja entre os membros da Academia Brasileira de Letras, enquanto personalidades como José Sarney e Merval Pereira ali figuram. Mas Carlos de Assumpção não precisa de uma túnica pomposa para ser imortal. Aliás, ele pertence à igualmente honorável Academia Francana de Letras.

A poesia de Carlos de Assumpção é uma fonte inspiração, mas também de revolta contra as mazelas da injustiça persistentes e latentes em nosso país. Muita gente sonha em poder conhecer pessoalmente e conversar com alguns dos mestres da nossa literatura, como Machado de Assis ou Carolina Maria de Jesus (esta última, que também passou por Franca em sua vida). Pois bem, temos a sorte de poder desfrutar e aprender aqui e agora com seu Carlos, sua sabedoria e vitalidade. Sejamos gratos por isso. E não paremos de gritar!

Guilherme Cortez é advogado.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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