NOSSAS LETRAS

“Eu” é um ponto numa configuração imensa

Amar é bom, sempre é. Amar sem controle desgoverna quem ama. Ninguém espera se perder tanto, mas deseja. Na verdade, só amou quem já perdeu. Leia a crônica de Baltazar Gonçalves.

Por Baltazar Gonçalves | 21/05/2022 | Tempo de leitura: 2 min
especial para o GCN

Poetas gostam de falar de amor. Se eu tivesse mais espaço aqui falaria das guerras fora da Ucrânia que são muitas, falaria da fome do meu vizinho e dos assassinatos em massa dos últimos 500 anos, falaria das religiões opressoras, da falta de liberdade, das eleições próximas, da falta de perspectiva dos pobres de pele de toda cor, falaria do fosso entre os ricos de Tel-Aviv e os ricos da Avenida Paulo VI desembocando na velha Morada do Verde em Franca.

Amar é bom, sempre é. Amar sem controle desgoverna quem ama. Ninguém espera se perder tanto, mas deseja. Na verdade, só amou quem já perdeu. O que vem depois é achado, troca escambo. Respeito é bom, mas não tem nada com isso de controlar e ser controlado. Te quero só para mim, não vivo sem você. Autoengano relevante tem sabor. Toda forma de amor é abstração de quem ama. 

Na semana mais fria do ano Franca desaparece, como nos meus sonhos: feito poema a ser contemplado e esquecido. Desci, estava frio como o prometido e a neblina chamava. O que não tem métrica nem órbita eu mesmo invento.  Se a poesia permite, por que não?

Ser amado é melhor que amar, mas não sacia o desejo nefasto de possuir e controlar.  Por que amar é também uma forma de controle? Guardar quem se ama é ilusão ácida, doce como sonho de padaria guardado que uma hora você lembra azedo. Ninguém pode ser de alguém completamente por muito tempo. Num momento a grade se rompe e o pássaro foge da gaiola.

Só as mães exercem controle por tanto tempo, algumas preferem os filhos sem vida própria a permitir-lhes que vivam suas escolhas. É triste, mas acontece o tempo todo. Em alguns casos esse laço é tão firme forte danoso que as personagens do drama afundam no próprio pântano.

Os amantes que despertam da possessão acordam para amar de novo. Amor verdadeiro que te leva à beira da loucura acontece só uma vez na vida. A ilusão da liberdade se repete, somos parecidos e você perceberá isso vivendo: uns e outros carentes e todos de alguma forma solitários até que se prove o contrário. É preciso acreditar que não chegaremos ao fim previsto sozinhos – aceitaremos ser um ponto numa configuração imensa.

Essa percepção de si mesmo é conseguir esvaziar-se da identificação construída que se tem com o "eu" - ego raso, tumultuado herdado. Por momentos a quietude nos liberta, a mente vazia e o corpo entregue sem vontade ou desejo, apenas a sensação boa de estar presente.

Assim, eu não está lá, ele não estou aqui. Embora em toda parte, vazio de si é o melhor estar. Identificar-se com a narrativa que contam de você, ou que conta de si mesmo, pode ser erro em dobro. Repetir a mesma fórmula esperando resultado diferente é insano. Se investigar honestamente, é possível que encontre outro "eu" onde presume sua opinião enformada, então talvez ser esse outro leve mais profundo a conexão no Agora.

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