NOSSAS LETRAS

Ternura

Recebi a foto que fez através do vidro frio às 6h da manhã enquanto dirigia rumo as serras de Claraval. Leia a crônica de Baltazar Gonçalves.

Por Baltazar Gonçalves | 14/05/2022 | Tempo de leitura: 2 min
especial para o GCN

Recebi a foto que fez através do vidro frio às 6h da manhã enquanto dirigia rumo as serras de Claraval. A imagem da estrada em movimento nas camadas de luz, horizonte claro mesmo antes de eu sair de casa. Estar presente assim muda tudo. Dizem que o Amor tem muitos nomes, ternura talvez seja o que melhor traduz sentir Amor.

Se por uma fresta dos sentidos ternura passasse, apesar de tudo em volta insistir importantes banalidades, qualquer pessoa mergulharia nos olhos de quem emana ternura. Mas é preciso estar alerta porque ternura também é sinônimo de simplicidade. É simples amar um cão ou gato ou peixe ou flor do jardim, mas esse tipo de sentimento alimenta a alma ainda na solidão. Ternura compartilhada não tem precisão, nem dura tanto quanto deseja quem tem pressa. Amor ternura simplicidade, efemeridades que os cientistas não calculam e só poetas alongam imaginando sentir.

Acontece que, de tanto procurar, esse fio de vitalidade pode acontecer. Toda gente procura incessantemente, até mesmo dormindo, a natureza amorosa que nos constitui e pode eventualmente preencher aquela solidão que as rosas não compreendem, nem os cães e gatos e peixes. Duas pessoas num curto-circuito, momento inimaginavelmente profundo de um fluxo iluminado a conduzir para dentro a estranheza da plenitude. Sem alarde, eis o disperso reunido. 

É estranho ser feliz, mesmo que por um instante. Toda programação da história, os séculos e as guerras e a dominação de uma língua sobre as outras. Amar está mais para um defeito de fabricação, tudo o que nos trouxe até aqui deve produzir pessoas-máquinas eficientes. Tenho pavor da eficiência, a perfeição negligente do desvio e atalho, vazia como um deus no céu.

A humanidade sempre desejou e agora realiza a inteligência artificial, autorreplicante e prática eficiente, que mais espelha nossa insuficiência, nosso desamor e solidão, também nosso egoísmo autossuficiência; o desamor e a falta de ternura.

Até entendo quem é bem inventado no berço das convecções, mas eu não duro nessa aridez sem ternura. Por obra e graça tenho a poesia que me alenta, enquanto me perco acho o tal fio ligamento. Outro dia, enquanto eu permanecia terno, ouvi ou vi você dizer “também vou ser sincero, passaria horas mergulhado no seu olhar em silêncio ou falando baixinho”.

Escrevendo desfio teares, quem não gosta de ser visto por inteiro deve ter medo dos riscos. Seu olhar no meu tem profundidade, e é raso de um jeito bom. Naquele momento não te respondi, era ternura o que me silenciava.

Fale com o GCN/Sampi! Tem alguma sugestão de pauta ou quer apontar uma correção?
Clique aqui e fale com nossos repórteres.

Receba as notícias mais relevantes de Franca e região direto no seu WhatsApp
Participe da Comunidade

COMENTÁRIOS

A responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores. Por isso, os leitores e usuários desse canal encontram-se sujeitos às condições de uso do portal de internet do Portal SAMPI e se comprometem a respeitar o código de Conduta On-line do SAMPI.