OPINIÃO

Por que denunciei um outdoor do Bolsonaro ao Ministério Público

Com as eleições de outubro cada dia mais perto de nós, as movimentações eleitorais dos futuros candidatos começam a se acirrar. Leia o artigo de Guilherme Cortez.

Por Guilherme Cortez | 03/04/2022 | Tempo de leitura: 4 min
especial para o GCN

Guilherme Cortez
Guilherme Cortez

Com as eleições de outubro cada dia mais perto de nós, as movimentações eleitorais dos futuros candidatos começam a se acirrar. Na quinta-feira, 31, assistimos ao universo da chamada “terceira via” virar de cabeça para baixo com o recuo de Sergio Moro da pré-candidatura a presidente e o vaivém de João Doria, que desistiu de desistir da disputa ao Planalto e terminou o dia renunciando ao governo de São Paulo e abrindo caminho para seu vice, Rodrigo Garcia, assumir o mandato e ser candidato a governador. No domingo passado, 27, foi o presidente Jair Bolsonaro que reuniu seus aliados em Brasília – inclusive seu antecessor Fernando Collor e o mensaleiro Valdemar Costa Neto – para lançar sua pré-campanha à reeleição.

Tivemos demonstrações nítidas ao longo dos últimos anos de como os efeitos das notícias falsas, do negacionismo e das campanhas irregulares são nocivos para o debate democrático no país. Por isso, a vigilância da população será imprescindível para combater infrações eleitorais de agora até a eleição.

É o caso de um outdoor instalado na avenida João Batista Paula Silva, no Recanto Elimar. Exibindo uma imagem do pré-candidato Jair Bolsonaro com a faixa presidencial, pode-se ler: “Só existem 2 lados”. De um lado, com a cor vermelha e o símbolo de uma foice e martelo, é apresentado um dos lados: o “comunismo”, associado à “corrupção”, ao “atraso” e à “escravidão”. Do outro, sobre um fundo verde, lê-se o sobrenome do presidente, que por sua vez remete à “liberdade”, “honestidade” e “progresso”. Completam a mensagem os slogans “Deus, pátria, família e liberdade”, usado pelo presidente e seus apoiadores, e “Franca por um Brasil melhor”, além de uma intimação: “A escolha é sua”.

 Outdoor instalado na avenida João Batista Paula Silva, no Recanto Elimar

Antes de discutir o conteúdo dessa peça de propaganda, as irregularidades saltam aos olhos. Em primeiro lugar, a lei eleitoral só autoriza a realização de campanha eleitoral a partir de agosto. Qualquer propaganda antes desse prazo configura campanha antecipada e, portanto, irregular. Para os desaviados, acabamos de entrar no mês de abril. A essa altura do ano, as candidaturas que disputarão as eleições de outubro sequer estão confirmadas. Um ato que promova um provável candidato coloca em desvantagem os demais, que também ainda nem se registraram.

A Justiça Eleitoral tem entendido em seguidas decisões que não é necessário o pedido explícito de voto para caracterizar campanha antecipada. Se assim fosse, um pré-candidato poderia fazer qualquer coisa desde que não dissesse “vote em mim”, inclusive pedir votos de maneira velada. Pois bem, o entendimento das autoridades eleitorais é de que mesmo atos de campanha implícita, como a valorização de um provável candidato em detrimento de outros, configuram irregularidade quando fora do período regular. É o que vemos, por exemplo, quando um pré-candidato é associado ao “progresso” em contraposição ao que seria o “atraso”, a “corrupção” e a “escravidão”, induzindo o eleitor a escolher um lado, com a utilização inclusive de slogans de campanha.

Não fosse o bastante, o uso de outdoors como meio de propaganda eleitoral não é mais permitido em qualquer momento, nem mesmo no período de campanha regular. Que dirá então como campanha antecipada! Nesse caso, estamos diante de uma dupla infração eleitoral. Tanto a empresa responsável pelo outdoor quanto o partido e o próprio pré-candidato beneficiado podem ser condenados a retirar a propaganda irregular e pagar até R$ 15 mil de multa.

Juridicamente, portanto, a peça de propaganda instalada no Recanto Elimar é coberta de irregularidades, seja por configurar campanha antecipada ou por utilizar meio indevido. É por isso que este colunista, cumprindo seu dever como advogado e cidadão, apresentou uma representação ao Ministério Público na última segunda-feira, 28, pedindo a abertura de um inquérito para investigar a possível ocorrência de ilegalidades envolvendo o outdoor e posteriormente denunciar os responsáveis para a Justiça Eleitoral.

Em qualquer momento, a prática de campanha eleitoral antecipada já seria algo grave e inaceitável. Ainda mais agora, quando assistimos ao despudoramento geral da política, com líderes religiosos cobrando propina em ouro para liberar verbas do Ministério da Educação e artistas tendo seu direito à expressão censurado como aconteceu no último fim de semana no festival Lollapalooza após decisão liminar do Tribunal Superior Eleitoral. Não se pode admitir que o que realmente configura campanha irregular fique impune enquanto esse pretexto é utilizado para cercear manifestações legítimas e direitos democráticos.

Afora as irregularidades jurídicas, vale notar que a peça instalada no Elimar é de extremo mau gosto e denuncia o grau de despolitização a que estaremos submetidos nessas eleições. Mais uma vez, se ressuscita o fantasma do comunismo para difundir o pânico entre a população e defender o indefensável, como que o governo Bolsonaro representa algo parecido com “honestidade”, “liberdade” ou “progresso”. Nem o Brasil está em vias de se tornar comunista nem o presidente condiz com nenhuma dessas palavras. Será preciso muita vigilância para impedir que as eleições desse ano sejam novamente enviesadas pela falsificação, pelas irregularidades eleitorais e pelo discurso de ódio.

Guilherme Cortez é advogado.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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