OPINIÃO

O problema das enchentes

Todo começo de ano é a mesma coisa: chove forte, os córregos transbordam e o caos se instala em Franca. Neste ano, as consequências foram ainda mais dramáticas.

Por Guilherme Cortez | 27/02/2022 | Tempo de leitura: 4 min
especial para GCN

Todo começo de ano é a mesma coisa: chove forte, os córregos transbordam e o caos se instala em Franca. Neste ano, as consequências foram ainda mais dramáticas. Um jovem de apenas 21 anos foi arrastado pela correnteza das águas que transbordaram do córrego dos Bagres no meio de uma rodovia quando voltava de Restinga para Franca. Sim, o alagamento foi tão intenso que as águas do córrego foram parar no meio da rodovia, com força suficiente para arrastar uma pessoa, colocando fim a uma jovem vida. Me solidarizo aqui com seus amigos e familiares.

Entra governo e sai governo, o problema das enchentes continua o mesmo. Quem sai no prejuízo são as pessoas que moram e trabalham nas regiões de alagamento. Um motoboy caiu de moto enquanto tentava atravessar uma área alagada na tempestade do dia 6, quando Franca registrou a chuva mais forte do Brasil. A área externa do Castelinho ficou arrasada, como um presságio do evento repleto de negacionistas e investigados pela Polícia Federal que o clube viria a sediar naquela semana.

Prefeitos de diferentes partidos são unânimes em atribuir a culpa dos alagamentos a fenômenos externos, como a fúria da natureza ou o temperamento de São Pedro, o santo católico conhecido por abrir as portas do céu. Escondem assim a responsabilidade das administrações que se sucederam no Paço Municipal e da dramática crise ambiental em que estamos inseridos.

A chuva é um fenômeno natural, que tem origem na evaporação das águas da superfície. Uma vez no ar, o vapor se esfria e retorna ao estado líquido, caindo sobre a Terra em forma de gotículas. Em determinadas condições, essa mesma água pode se solidificar e cair em forma de pedras, como o granizo. Esse processo em que a água evapora e depois desce em forma de chuva, num ciclo infinito, é importante para o resfriamento do planeta.

O ser humano ainda não inventou um mecanismo para impedir as chuvas – e nem deveria, porque isso aumentaria a temperatura média da Terra e prejudicaria todas as formas de vida no planeta. O problema das enchentes, contudo, não é a chuva, mas sim o planejamento das nossas cidades. A chuva sempre virá e com mais intensidade em algumas épocas do ano – o que nos resta é prevenir seus efeitos prejudiciais.

Os alagamentos ocorrem quando o solo não é capaz de absorver e nem escoar a tempo a água das chuvas. Isso acontece quando o chão é impermeabilizado, ou seja, não pode ser penetrado por fluidos como a água que cai na chuva. É o caso do asfalto, do concreto e de boa parte das construções que temos nas cidades. Nas áreas verdes, onde o solo é mais permeável, acontece o oposto: até 80% da água das chuvas é retida, evitando assim grandes alagamentos. Na cidade de São Paulo ocorre justamente o oposto: 80% da água que cai não é absorvida, provocando as enchentes.

Quando a chuva vem e entra em contato com essa superfície sem ser absorvida, fica acumulada, causando alagamentos. O mesmo pode acontecer com os córregos: a água das chuvas se acumula numa capacidade superior ao que é possível escoar e acaba transbordando para fora. É por isso que as imagens de enchentes são tão comuns em grandes cidades, onde as áreas permeáveis são mais restritas. Os principais atingidos são as populações das periferias ou que moram em morros ou barrancos, onde a impermeabilização do solo é maior.

O problema todo é agravado pela profunda crise ambiental pela qual passamos. A elevação das temperaturas médias no planeta (segundo o Painel das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas, a Terra está 1,2ºC mais quente hoje do que antes da industrialização) acarreta na maior evaporação das águas da superfície e, consequentemente, em chuvas mais intensas, que provocam enchentes maiores e mais arrasadoras. Para deter esse fenômeno e suas consequências trágicas, é preciso cortar urgentemente a emissão de gases de efeito estufa na atmosfera, substituindo nossas atuais fontes de energia por outras não poluentes.

Para alguns, a saída mágica é aumentar a calha dos córregos, ignorando que, além de ser mais cara, essa medida não resolve o problema central da impermeabilização do solo e, portanto, não evita novos alagamentos.

Para prevenir as enchentes, é preciso combater o problema na raiz: criar mecanismos para que a água das chuvas possa ser absorvida pelo solo, evitando sua acumulação. Isso passa por incentivar que os lotes e construções na cidade adotem áreas de infiltração para absorver a água, definindo taxas de permeabilidade que cada propriedade deve garantir, e fazer o mesmo nos espaços públicos: investir em asfalto permeável, calçadas drenáveis e na multiplicação de áreas verdes, como praças e bosques. Outra solução é a construção de mecanismos de armazenamento das águas, que podem ser utilizadas para serviços de limpeza e irrigação.

Chove-se igual na floresta e na cidade, a diferença é a forma de absorver e escoar a água em cada uma. E, claro, a responsabilidade dos nossos administradores públicos por negligenciar e agravar o problema nas nossas cidades, tornando nosso solo cada vez menos permeável, quando deveriam fazer o oposto. No ano passado, por exemplo, com a benção da Prefeitura e da maioria dos vereadores de Franca, ganhou força um projeto de lei que pretende diminuir a área de proteção ambiental em torno ao Rio Canoas, autorizando construções naquela região e, portanto, avançando na impermeabilização das poucas áreas verdes que restam na cidade.

Guilherme Cortez é advogado.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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