OPINIÃO - GUILHERME CORTEZ

Eles não são mais tantos quanto antes

Quem estava em Franca em 2018 se lembra muito bem do clima das eleições daquele ano. 106.547 francanos votaram no então candidato Jair Bolsonaro no 1º turno. Na segunda rodada, foram 3 em cada 4 eleitores da cidade.

Por Guilherme Cortez | 20/02/2022 | Tempo de leitura: 4 min
especial para GCN

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Autointitulado “Congresso de Desenvolvimento da Alta Mogiana” no salão nobre do clube Castelinho
Autointitulado “Congresso de Desenvolvimento da Alta Mogiana” no salão nobre do clube Castelinho

Quem estava em Franca em 2018 se lembra muito bem do clima das eleições daquele ano. 106.547 francanos votaram no então candidato Jair Bolsonaro no 1º turno. Na segunda rodada, foram 3 em cada 4 eleitores da cidade. Candidatos a deputado ligados ao capitão, como seu filho Eduardo e a advogado Janaína Paschoal, estiveram entre os mais votados, à frente de tradicionais figuras da política local. Carreatas gigantescas tomavam conta das principais avenidas da cidade. Apesar da oposição corajosa de centenas de pessoas, lideradas pelas mulheres, que marcharam da Concha Acústica até o viaduto Dona Quita em protesto contra sua eleição e de outras tantas que, espontaneamente, saíram de porta em porta revertendo votos, Franca foi varrida pela onda Bolsonaro.

O que aconteceu depois todos conhecem.

Passados quatro anos, estamos mais uma vez às vésperas de uma eleição presidencial e os principais atores políticos já começam a esquentar suas campanhas. Com a rejeição em alta e ostentando uma das piores gestões da pandemia do mundo inteiro, Jair se prepara para disputar a reeleição. Dificultando o seu caminho, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, impedido de disputar as últimas eleições, lidera com folga todas as pesquisas de intenção de voto. Correndo por fora, uma porção de bolsonaristas arrependidos tenta se firmar como a “terceira via”. O cenário agora é outro.

No último dia 12, apoiadores do presidente Bolsonaro realizaram um encontro pretensamente autointitulado “Congresso de Desenvolvimento da Alta Mogiana” no salão nobre do clube Castelinho. Na pauta, nenhum debate sobre o desenvolvimento da região da Alta Mogiana em si e críticas de sobra à vacinação contra o coronavírus. Entre os “palestrantes”, figuras polêmicas ligadas à extrema-direita, ao negacionismo científico e ao governo federal.

Algumas das personalidades que deram as caras em Franca: a médica Nise Yamaguchi, investigada por idealizar o uso de medicamentos ineficazes para tratar a covid-19; o youtuber Gustavo Gayer, apontando com um dos influenciadores que mais lucrou com a divulgação de informações falsas durante a pandemia; o filho 01 do presidente, Eduardo, investigado pela Procuradoria-Geral da República pela compra suspeita de imóveis no Rio de Janeiro e entusiasta de medidas antidemocráticas, como o AI-5 e o fechamento do Supremo Tribunal Federal; o deputado Frederico D’Ávila, conhecido por homenagear o ditador chileno Augusto Pinochet e chamar o papa Francisco de “vagabundo”; e a deputada Carla Zambelli, animadora de torcida da tropa-de-choque do presidente, condenada inúmeras vezes por disseminar notícias falsas. Para um evento de “cidadãos de bem” que se dizem implacáveis para lidar com “bandidos”, a ficha corrida dos convidados dizia por si só.

A estrela principal do encontro foi o desconhecido ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas, pré-candidato ao governo de São Paulo apoiado pelo Bolsonaro, que escolheu Franca para começar sua turnê pelo estado em busca de apoio.

Em outros tempos, um evento com tantas figuras prestigiadas da extrema-direita brasileira seria um acontecimento de grandes proporções na cidade. Apesar dos organizadores dizerem que a atividade reuniu 2.000 pessoas, as poucas imagens divulgadas que mostram a plateia, com cadeiras vazias, não deixam mentir. Não foram poucos os participantes, mas muito menos do que conseguiam reunir quatro anos atrás. Sem figuras de peso da política francana, os convidados foram recepcionados pela polêmica vereadora Lurdinha Granzotte, figurinha carimbada nos atos bolsonaristas da cidade e duas vezes advertida pela Comissão de Ética da Câmara por seus atos. Outro detalhe é que a maioria dos presentes dispensou a máscara de proteção facial, embora Franca tenha registrado 413 novos casos de covid-19 naquele dia.

O derretimento da base de apoio de Bolsonaro é um fenômeno nacional. Hoje, 64% dos brasileiros acha que o presidente não merece se reeleger e 55% que seu governo é ruim ou péssimo. Eleito com um discurso de combate à criminalidade e à política tradicional, Jair decepcionou seus apoiadores mais críticos ao oferecer cargos em seu governo e distribuir emendas no orçamento para os partidos do Centrão em troca de apoio político e tentar acobertar investigações contra seus filhos e se ver envolvido em escândalos de corrupção.

O desprezo às medidas sanitárias e boicote à compra de vacinas, responsáveis por mais de 600 mil mortes no país, somado ao descontrole da inflação, aumento do desemprego e volta da fome para milhões de brasileiros afastou a parcela mais popular dos apoiadores do presidente, deixando apenas uma ainda expressiva minoria fanática que vive numa realidade própria e impenetrável. Essas pessoas não se incomodam se o seu presidente menosprezar a morte alheia, tirar férias enquanto acontecem tragédias no país ou atrapalhar a vacinação dos seus próprios filhos: no mundo delas, toda crítica ao capitão é parte de uma conspiração da esquerda.

O importante é que não são mais tão numerosos quanto antigamente – e sabem disso. Em 2020, só conseguiram eleger a vereadora menos votada da Câmara e sequer chegaram ao 2º turno da eleição para a Prefeitura, apesar de terem hegemonizado a cidade dois anos antes. Podem viver imersos em teorias da conspiração e notícias falsas o quanto quiserem, mas a realidade sempre se impõe. Nenhuma fake news bizarra muda a realidade de uma pessoa que perdeu um familiar para a covid por negligência do governo ou tem que fazer compras sem emprego e com os preços nas alturas. Os tempos estão mudando.

Guilherme Cortez é advogado

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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