OPINIÃO

Nazismo não é questão de opinião

Bertold Brecht foi um renomado poeta e dramaturgo alemão, reconhecido pelo seu trabalho fortemente crítico e engajado. Adepto ao marxismo, teve que deixar seu país natal quando da ascensão de Hitler ao poder. Leia mais no artigo de Guilherme Cortez.

Por Guilherme Cortez | 13/02/2022 | Tempo de leitura: 4 min
especial para GCN

Bertold Brecht foi um renomado poeta e dramaturgo alemão, reconhecido pelo seu trabalho fortemente crítico e engajado. Adepto ao marxismo, teve que deixar seu país natal quando da ascensão de Hitler ao poder. À Brecht se atribui a famosa pergunta: “que tempos são estes em que é preciso defender o óbvio?”.

Na última semana, dois episódios envolvendo formadores de opinião midiáticos nos relembraram que, em pleno ano de 2022, ainda é preciso reafirmar o óbvio.

Durante uma edição do programa Flow Podcast, com a participação dos deputados federais Kim Kataguiri e Tabata Amaral, o apresentador Bruno Monteiro Aiub, conhecido como Monark, defendeu a legalização de um partido nazista no Brasil, acusando sua proibição de censura contra quem compactua com esses ideais. A reação de indignação nas redes sociais foi imediata e, após uma onda de patrocinadores anunciar o desinvestimento no programa, o apresentador foi demitido. Acuado, tentou se justificar dizendo que estava bêbado na ocasião.

Poucas horas depois, comentando a repercussão da fala desastrosa de Monark, o ex-BBB Adrilles Jorge, recentemente convertido em um disseminador de conteúdos negacionistas e de extrema-direita, se despediu do programa Opinião da Jovem Pan News com um gesto atribuído ao nazismo: a palma da mão estendida para a frente, em sinal de reverência. Na Alemanha, a saudação era feita em respeito a Hitler e entre adeptos do partido nazista. Hoje, pode levar a até três anos de prisão por lá. Sua referência também rendeu uma carta de demissão ao comentarista.

Os casos de Monark e Adrilles jogam luz para a situação atual do Brasil. Já há alguns anos se assiste ao recrudescimento de doutrinas autoritárias e preconceituosas no país. Esse fenômeno atingiu o ápice com a eleição de Jair Bolsonaro, um admirador confesso da ditadura militar, defensor de métodos de tortura e apoiador de esquadrões de extermínio, em 2018. A relação do atual presidente com partidários de doutrinas totalitárias não é recente: a antropóloga Adrianna Dias, especialista no estudo de grupos nazistas no Brasil, encontrou uma carta do então deputado federal Bolsonaro publicada em sites neonazistas em 2004. Dois anos atrás, o então secretário nacional de Cultura do seu governo, Roberto Alvim, foi exonerado depois de emular uma peça de comunicação nazista. No ano passado, foi a vez do assessor direto da Presidência, Filipe Martins, perder o emprego depois de fazer um gesto associado aos supremacistas brancos dos Estados Unidos, em plena sessão do Senado Federal.

Segundo pesquisadores, a presença de grupos partidários do nazismo e outras doutrinas totalitárias tem aumento no Brasil ao longo desses anos. Cada vez mais, seus adeptos se sentem à vontade para se manifestar publicamente e promover ações antidemocráticas. Estão por toda parte, inclusive em Franca. Este próprio colunista foi alvo de ameaças desses grupos em 2020.

Defender o nazismo, o fascismo e outras doutrinas que propõem o extermínio da vida e da dignidade humana não é uma questão de opinião. O nazismo foi uma das maiores tragédias da história da humanidade, responsável por uma guerra mundial e por milhões de mortes, sobretudo de judeus, ciganos, homossexuais e comunistas em campos de concentração, através do chamado Holocausto.

Já escrevi aqui que o direito à liberdade de expressão não é absoluto. A liberdade para dizer o que se pensa vai até o ponto em que esse pensamento ameaça a vida, a integridade, os direitos e a dignidade alheia. Uma opinião que estimule a violência, o ódio e o preconceito coloca em risco a convivência em sociedade e não é bem-vinda. Não à toa, os países que mais sentiram as consequências de doutrinas totalitárias como o nazismo e o fascismo são os mais rígidos em relação a manifestação dessas ideias hoje em dia.

Na onda de desinformação e negacionismo que vivemos hoje, há espaço para todo tipo de falsificação da verdade. Há quem tente associar o nazismo ao comunismo e acusa as ideias defendidas por Hitler de serem de esquerda. Não poderia haver bobagem maior. Nazismo e fascismo são ideologias de extrema-direita, que têm como pilares o combate à esquerda, aos movimentos sociais e organizações dos trabalhadores e foram combatidas pelos comunistas. Falsificar a História também é uma maneira de repetir tragédias no presente.

É insustentável, numa democracia, a existência de um partido nazista como defendido pelo influenciador Monark. O nazismo é uma ameaça para a vida e para a humanidade. Toda civilização possui seus próprios mecanismos de se preservar. Proibir a existência e a expressão de ideias que ameaçam o bem-estar coletivo é um deles.

É urgente que existência desse tipo de pensamento volte a ser combatida e os saudosistas do atraso a se envergonhar – ou medir as consequências – de expor suas ideias. A História já mostrou onde elas podem nos levar quando ganham força.

Guilherme Cortez
é advogado.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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