OPINIÃO

Há limites para a liberdade de expressão?

Na última semana, o descontentamento com um beijo entre dois personagens fictícios provocou a demissão de um jogador de vôlei profissional. Maurício Souza (não confundir com o cartunista da Turma da Mônica), que jogou nas Olímpiadas de Tóquio pela Seleção Brasileira de Vôlei, publicou em suas redes sociais um comentário irônico sobre a notícia de que o novo Superman protagonizaria um beijo com outro personagem em uma história em quadrinhos – “Ah, é só um desenho, não é nada demais. Vai nessa que vai ver onde vamos parar”, escreveu. Leia na íntegra o artigo de Guilherme Cortez.

Por Guilherme Cortez | 30/10/2021 | Tempo de leitura: 3 min
especial para o GCN

Na última semana, o descontentamento com um beijo entre dois personagens fictícios provocou a demissão de um jogador de vôlei profissional. Maurício Souza (não confundir com o cartunista da Turma da Mônica), que jogou nas Olímpiadas de Tóquio pela Seleção Brasileira de Vôlei, publicou em suas redes sociais um comentário irônico sobre a notícia de que o novo Superman protagonizaria um beijo com outro personagem em uma história em quadrinhos – “Ah, é só um desenho, não é nada demais. Vai nessa que vai ver onde vamos parar”, escreveu.

Depois da repercussão negativa da postagem, seu time, o Minas Tênis Clube, anunciou a rescisão do contrato de Maurício. O técnico da Seleção também declarou que não pretendia mais convocá-lo. Ainda na semana, a vereadora Lurdinha Granzotte (PSL), pródiga em declarações e atos polêmicos, utilizou suas redes sociais para defender o jogador e ironizar a diversidade no universo dos quadrinhos, recebendo sua terceira representação no Conselho de Ética da Câmara de Franca. O episódio todo reacendeu o debate na internet sobre os limites da liberdade de expressão.

Desconheço o que leva um homem adulto e com uma carreira consolidada a se incomodar com a relação entre dois seres que não existem (um deles, aliás, um super-herói alienígena) e são feitos de desenhos. Por trás de um comentário irônico, a postagem do jogador recém-desempregado insinuava que o beijo entre dois homens poderia acarretar em alguma ameaça moral para o futuro (“vai nessa que vai ver onde vamos parar”).

Há quem se preocupe que a representação da diversidade sexual em meios de comunicação e produtos midiáticos possa influenciar a sexualidade das gerações futuras. Nada menos real. Em primeiro lugar, porque a orientação sexual alheia não é definida pela maior ou menor exposição à cultura ou ao contato com quaisquer relacionamentos. Fosse assim, só existiriam pessoas heterossexuais no mundo, porque o conteúdo majoritariamente representado nos livros, filmes, novelas e mesmo em programas infantis retrata o relacionamento entre pessoas de gêneros opostos.

Por trás dessa preocupação, se esconde o pensamento de que a existência e a visibilidade de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) representa algum tipo de degeneração moral da sociedade. Uma ideia ultrapassada e preconceituosa, que tem raízes na intolerância histórica contra a comunidade e é considerada crime desde que o Supremo Tribunal Federal equiparou a discriminação motivada na diversidade sexual e de gênero ao racismo.

A liberdade de expressão, crítica e manifestação é um dos direitos basilares do nosso regime democrático, assegurado pela Constituição Federal brasileira. O direito de manifestar opiniões livremente não pode, no entanto, esbarrar nos direitos e na dignidade alheia. Uma “opinião” que agride, falte com a verdade, constrange, humilhe ou ofenda não é saudável ou aceitável em qualquer circunstância.

Em tempos de proliferação das redes sociais e difusão massiva de notícias falsas, a possibilidade de divulgar discursos de ódio alcançou proporções inéditas. Num piscar de olhos, com alguns cliques e aparentemente sem grandes consequências, se compartilham ideias violentas e reputações são difamadas através de informações falsas. Muita gente não entende que o que é feito por trás de uma tela tem tanto impacto quanto o que ocorre ao vivo e a cores.

Defender o direito à expressão livre não pode significar passe-livre para ofender, atacar e defenestrar pessoas ou reputações, da mesma forma como disseminar o preconceito e a intolerância. Calúnia, injúria e difamação – dentro ou fora das redes sociais – são crimes. LGBTfobia, racismo, violência de gênero e ameaças também e ninguém deveria se sentir inibido a denuncia-los como tal.

O Brasil tem vivido na pele os efeitos devastadores da mistura entre desinformação e política ao longo dos últimos anos. As redes sociais podem servir para democratizar a informação e os debates públicos, mas também podem aprofundar a violência e a intolerância social. Ao invés de fortalecer, a disseminação de discursos de ódio enfraquece a nossa ainda tão frágil democracia.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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