OPINIÃO

Será preciso outro racionamento?

39 dias se passaram entre o início do racionamento de água em Franca e o anúncio, pela Sabesp, da suspensão do rodízio na última segunda-feira. A medida foi tomada em setembro diante da dura estiagem enfrentada pelo Rio Canoas, como forma de evitar o desabastecimento total da cidade. As restrições foram se intensificando ao longo das semanas, com os bairros chegando a passar 36 horas com água e as 36 horas seguintes sob racionamento. Lei mais do artigo de Guilherme Cortez.

Por Guilherme Cortez | 15/10/2021 | Tempo de leitura: 5 min
especial para o GCN

O fim do racionamento é um alívio para a população, que “se virou” ao longo do último mês para contornar a restrição do recurso mais essencial para a vida – a água. A chegada das chuvas, depois de semanas de secura, foi intensamente aguardada e igualmente
O fim do racionamento é um alívio para a população, que “se virou” ao longo do último mês para contornar a restrição do recurso mais essencial para a vida – a água. A chegada das chuvas, depois de semanas de secura, foi intensamente aguardada e igualmente

Será preciso outro racionamento?

Guilherme Cortez

39 dias se passaram entre o início do racionamento de água em Franca e o anúncio, pela Sabesp, da suspensão do rodízio na última segunda-feira. A medida foi tomada em setembro diante da dura estiagem enfrentada pelo Rio Canoas, como forma de evitar o desabastecimento total da cidade. As restrições foram se intensificando ao longo das semanas, com os bairros chegando a passar 36 horas com água e as 36 horas seguintes sob racionamento.

O fim do racionamento é um alívio para a população, que “se virou” ao longo do último mês para contornar a restrição do recurso mais essencial para a vida – a água. A chegada das chuvas, depois de semanas de secura, foi intensamente aguardada e igualmente comemorada.

O conforto pela volta da água, contudo, não pode nos fazer baixar a guarda ou deixar de tirar conclusões sobre as últimas semanas. A região de Franca tem sido duramente castigada nesse semestre por uma crise ambiental. Logo depois do início do racionamento de água na cidade, vimos gigantescas queimadas consumirem as zonas rurais de Batatais e Restinga, queimarem casas e fazendas e cobrirem o céu com fumaça. Não fosse o bastante, viramos notícia no Brasil inteiro e na imprensa internacional por conta da assustadora tempestade de terra que engoliu Franca e vários municípios da região. O fenômeno, comum em regiões desérticas, tem ligação com o tempo seco, o desmatamento e práticas agrícolas ultrapassadas.

Volto a dizer: quem vê alguma normalidade nessa sucessão de episódios está fora da realidade. Quem enxerga algo de corriqueiro em um fenômeno típico do Deserto do Saara acontecendo em pleno interior paulista só pode estar atormentado por algum mal.

A maioria das pessoas vê os fenômenos ambientais como acontecimentos alheios aos esforços e às vontades humanas, mas está errada. Na verdade, nossas ações impactam profundamente o meio ambiente e suas consequências para nossas próprias vidas. Por exemplo, o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, que está sendo divulgado nesse ano, aponta o desenvolvimento industrial nos últimos 300 anos como principal responsável pelo aquecimento do planeta Terra e pelas consequências ambientais das mudanças no clima.

Mas, da mesma forma como temos sido parte do problema, depende de nós construir as soluções. É fato que a crise ambiental profunda que temos vivido é um processo mundial, que não depende apenas do que é ou deixa de ser feito em Franca, mas nossas ações podem afastar seus efeitos mais severos da nossa região e contribuir com mudanças gerais.

O primeiro passo é reconhecer o problema: estamos passando por uma crise ambiental séria, que está mostrando seus primeiros efeitos e, se nada for feito, terá consequências ainda maiores nos futuros. Nesse sentido, seria conveniente ao prefeito Alexandre Ferreira e às autoridades da região seguir os passos do Recife e diversas cidades mundo afora e decretarem estado de emergência climática em suas cidades, como forma de reconhecerem a gravidade do momento e se comprometerem a enfrenta-lo.

Reconhecida a realidade, é preciso passar para a ação. Somente uma política ambiental ambiciosa e radicalmente ecológica pode evitar um aprofundamento da crise que estamos vivendo e o aquecimento da Terra a patamares que ameacem a vida e a saúde no planeta. Não estou falando de diminuir banhos ou restringir o acesso de água e comida a quem já tem pouco – lembrando que 35 milhões de brasileiros não têm acesso a água potável (100 vezes a população da Franca), 100 milhões não têm serviço de coleta de esgoto e 20 milhões estão passando fome –, porque o consumo doméstico é responsável por uma parcela muito pequena do impacto sobre o meio ambiente.

No Brasil, as queimadas são mais responsáveis pela emissão dos gases que geram o aquecimento global do que a produção de combustíveis e energia. Nos últimos anos, atingimos recordes de incêndios e desmatamento na Amazônia, no Pantanal e agora no Cerrado. As queimadas que vimos com frequência nas últimas semanas fazem parte desse mesmo processo. Reforçar as áreas de proteção ambiental, a fiscalização e o combate às queimadas, aos incendiários e desmatadores ilegais é uma necessidade.

Reduzir a quantidade de carros nas ruas e, consequentemente, a emissão de gases poluentes depende de uma infraestrutura de transporte público acessível e eficiente – o oposto do que temos hoje em Franca. O serviço oferecido pela Empresa São José é tão caro e de baixa qualidade que é ilusório imaginar que alguém deixaria de andar de carro ou moto se pudesse. Da mesma forma, as ciclovias são tão precárias e o trânsito na cidade tão perigoso, somado a distância entre as casas e os postos de trabalho das pessoas, que o transporte de bicicleta não é uma alternativa para a maioria. O caminho para reduzir a poluição na cidade passa por diversificar a mobilidade urbana e substituir o serviço de ônibus que há décadas é oferecido para a população por um transporte efetivamente público e de qualidade.

A conclusão das obras para captação das águas do Rio Sapucaí será uma reserva importante para evitar a falta de água nos próximos anos e diminuir a dependência do Canoas, mas ajudará pouco se mantida a atual diretriz ambiental. A proposta de alterar a lei que protege a região do Rio Canoas para reduzir a área de proteção faz parte da agenda do prefeito e foi discutida pelos vereadores na mesma semana em que o racionamento de água foi anunciado pela Sabesp.

Alexandre, aliás, enviou para a Câmara no começo do mês o projeto de mudança do Código Municipal de Edificações, que regulamenta as construções na cidade. Em que pese a demanda pela desburocratização dos processos de aprovação de obras pela Prefeitura, o projeto enviado (elaborado por um grupo de trabalho que não contou com representações da área ambiental) é um esboço perto do código atual, muito menos detalhado. O risco é de que o novo código flexibilize as condições para construção na cidade, facilitando obras que prejudiquem o meio ambiente.

Não é demais repetir que, se mudanças não forem tomadas, os efeitos da crise ambiental no próximo ano serão mais severos do que foram nesse, da mesma forma como já foram maiores do que no ano anterior e assim por diante. Se as queimadas, o racionamento e a tempestade de poeira já foram assustadores, é difícil imaginar o que pode vir pela frente. Um risco que não precisamos correr. Para evitar que a população fique sem água e outro racionamento seja necessário no futuro, outra política ambiental é tão necessária quanto urgente.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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