OPINIÃO - GUILHERME CORTEZ

O que vem depois da poeira?

Na última semana, Franca virou notícia no Brasil e no mundo inteiro. Infelizmente, não por um grande feito ou motivo de orgulho, mas devido à assustadora tempestade de terra. As imagens da nuvem de poeira quilométrica invadindo a cidade foram destaque nos principais meios de comunicação do país e na imprensa internacional. Mais do que um fenômeno meteorológico inusitado, a tempestade de terra foi sintoma de uma profunda crise ambiental vivida na nossa região e em todo o mundo. O habub, como é conhecido esse evento, é comum em regiões desérticas do globo.

Por Guilherme Cortez | 02/10/2021 | Tempo de leitura: 4 min
especial para o GCN

Na última semana, Franca virou notícia no Brasil e no mundo inteiro. Infelizmente, não por um grande feito ou motivo de orgulho, mas devido à assustadora tempestade de terra que engoliu vários municípios da região no domingo passado. As imagens da nuvem de poeira quilométrica invadindo a cidade foram destaque nos principais meios de comunicação do país e na imprensa internacional.

Mais do que um fenômeno meteorológico inusitado, a tempestade de terra foi sintoma de uma profunda crise ambiental vivida na nossa região e em todo o mundo. O habub, como é conhecido esse evento, é comum em regiões desérticas do globo, como o deserto do Saara, a República do Sudão, a Península Arábica e o sul dos Estados Unidos.

O fato de que um fenômeno corriqueiro no deserto do Saara tenha acontecido nos interiores de São Paulo e Minas Gerais é prova de que não há nenhuma normalidade no que estamos vivendo. Há semanas, a população de Franca tem sido castigada com o racionamento de água devido à seca do Rio Canoas, que abastece a cidade, enquanto grandes focos de queimadas devastaram as zonas rurais de Batatais e Restinga e cobriram o céu da região com fumaça. Agora, a poeira. Quem acha que não há nada de errado está fora de consciência.

Um conjunto de fatores provocou a tempestade que cobriu a cidade – todos relacionados à crise ambiental que estamos vivendo. No domingo passado, massas de ar frio trazendo a chuva encontraram o solo da região descoberto e completamente seco, fruto das altas temperaturas, baixa umidade, queimadas, desmatamento e do uso de práticas agrícolas ultrapassadas, como a monocultura e o revolvimento. A passagem do inverno para a primavera costuma ser um período seco e muito quente por aqui. Mas, ano após ano, os termômetros sobem e a umidade baixa. Fruto disso, o Rio Canoas enfrenta uma estiagem histórica e não está sendo capaz de abastecer toda a população da cidade.

O estado de São Paulo está localizado na mesma latitude dos desertos do Kalahari, da Namíbia e da Austrália. A única coisa que separa nossa região do clima desértico é a umidade conduzida da Amazônia pelas massas de ar (conhecidas como “rios aéreos”). Contudo, o Brasil sob o governo de Jair Bolsonaro está batendo recordes de desmatamento e queimadas da floresta. Sem a Amazônia, o Sudeste fica seco, avança a desertificação e fenômenos como o habub e a falta de água se tornam comuns.

O planeta Terra está prestes a atingir a marca de 1,5 ºC mais quente do que antes do início da industrialização no mundo. Embora pareça um número insignificante, cientistas e estudiosos do clima apontam que esse aumento representaria consequências trágicas para o futuro da vida humana. Queimadas, secas, enchentes, alagamentos, desabastecimento de água e alimentos, epidemias e má qualidade do ar se tornariam frequentes nas nossas vidas.

Por muito tempo, tudo isso pareceu uma realidade distante, papo de “ecochatos” ou qualquer coisa que o valha. Infelizmente, não podemos nos esconder mais atrás desses comodismos. O clima está, literalmente, jogando tempestades de terra e areia sobre nossas casas, secando nossas torneiras e queimando fazendas diante dos nossos olhos.

Da mesma forma como somos responsáveis por termos chegado a essa situação, podemos ser por evitar desfechos catastróficos. O primeiro passo é reconhecer a realidade. A pandemia nos mostrou que o negacionismo não é bom conselheiro. Nesse sentido, várias cidades do mundo decretaram estado de emergência climática, como forma de reconhecer os impactos do aquecimento global e se comprometerem a reverter seus efeitos. O prefeito de Franca deveria seguir esse exemplo.

Para deter as mudanças no clima, precisamos substituir nossa atual matriz energética a base de petróleo e carvão por fontes renováveis, limpas e não poluentes, além de interromper as queimadas e o desmatamento das nossas áreas verdes. Podemos fazer a nossa parte na região.

Muitas pessoas notaram a semelhança entre a tempestade do último domingo com as queimadas permanentes do filme Interestelar. No longa, os protagonistas procuram alternativas para a sobrevivência da espécie humana em outros planetas. Até agora, não temos notícias e nem tecnologia suficiente para transpor nossa sociedade para outros astros. Ao contrário dos personagens, não temos outra saída além de evitar que as consequências das mudanças climáticas se tornem uma ameaça para o nosso futuro.

Guilherme Cortez
é advogado.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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