OPINIÃO

Proteger mais ou menos o Rio Canoas?

A realidade é que a diminuição da proteção em torno ao Rio Canoas e a liberação dos loteamentos só traria mais insegurança, prejuízos ambientais e riscos de novas estiagens.

Por Guilherme Cortez | 18/09/2021 | Tempo de leitura: 5 min
especial para o GCN

Duas semanas depois de indicar a necessidade de um racionamento de água em Franca por conta da seca do Rio Canoas, a Sabesp anunciou na última semana que o rodízio adotado não foi suficiente para reverter o quadro de desabastecimento da cidade e que será preciso endurecer as restrições ao consumo. Agora, para cada dia de racionamento, serão apenas 2 com água (até então eram 3). A nova etapa deve durar, pelo menos, até a próxima quinta-feira, mas segue sendo acompanhada de perto pelos técnicos da Sabesp, que não descartam a hipótese de medidas mais duras.

Na semana em que foi anunciado o primeiro racionamento, escrevi nesta coluna sobre as causas da crise de abastecimento da cidade, que vão muito além do suposto consumo irresponsável da população. Logo em seguida, nossa região foi atingida por uma assustadora série de queimadas, que consumiu as zonas rurais de Batatais e Restinga e empesteou o céu com fumaça, comprovando que uma grave crise ambiental está em curso por essas bandas.

Em resposta ao meu texto sobre a seca do Rio Canoas, foi publicado um artigo do empreendedor imobiliário Jorgito Donadelli, diretor da Associação das Empresas de Loteamento e Construção Civil de Franca (Alfa). Cumprimento meu interlocutor pela iniciativa de colocar em palavras nossas discordâncias e promover um debate público e democrático sobre um tema importante para a cidade. Franca precisa de mais discussões feitas às claras e menos episódios de covardia como o que vimos na sessão da Câmara que votou o projeto da Semana Municipal do Orgulho LGBT, sem uma manifestação sequer dos 10 vereadores que rejeitaram o projeto.

Em linhas gerais, meu interlocutor argumenta que o Rio Canoas vive hoje uma situação de completo abandono, com a proliferação de loteamentos irregulares, e que a solução para garantir sua preservação passa pela “ocupação ordenada” da região, defendendo a necessidade de alterar a lei municipal de 1994 que restringe a exploração da área.

O leitor deve tirar suas próprias conclusões, mas me parece um contrassenso o argumento de que a saída para preservar o rio é ocupar mais a região, mesmo que de uma forma “ordenada”. Ora, se meu interlocutor reconhece que os loteamentos irregulares têm trazido prejuízos ambientais, de qual maneira permitir e incentivar a ocupação ainda maior da área poderia representar mais proteção? É uma conta que não fecha.

Por mais “ordenada” e bem-intencionada que seja, a ocupação de um terreno inevitavelmente traz impactos para o meio ambiente, como a impermeabilização do solo, o acúmulo de detritos e resíduos que muitas vezes provocam o assoreamento das margens dos rios e o desmatamento para construção de imóveis. Não à toa, a lei brasileira exige a realização de estudos de impacto ambiental antes de qualquer obra que potencialmente possa afetar o ecossistema de uma determinada região. A lei em vigor hoje não proíbe completamente a ocupação da área do Canoas, mas a restringe a lotes de até 5 mil metros quadrados.

Vejamos. A água que “sobrou” no rio e está abastecendo a nossa cidade nesse exato momento deriva da infiltração no solo. É a água das chuvas e de outras fontes que é absorvida pela terra e chega subterraneamente até o Canoas. Esse processo depende muito da vegetação, pois as raízes das plantas facilitam a absorção. O mesmo não acontece em ambientes urbanos e solos impermeabilizados, que não absorvem a água. Pois bem: imagine se a área em volta do Canoas estivesse repleta de loteamentos, prédios e construções que impermeabilizam o solo – por onde seria absorvida essa água que hoje é nossa única reserva?

Isso sem falar em outras consequências ambientais e econômicas que a ocupação da área do Canoas acarretaria para a população de Franca, como por exemplo o aumento da rede de esgoto e saneamento cujo custo seria distribuído com toda a cidade.

Se o problema está no abandono e na ocupação irregular da região do rio, como alerta meu interlocutor, a solução é reforçar a fiscalização sobre os loteamentos que descumprem a lei e não “abrir a porteira” para que a área seja completamente ocupada. É preciso intensificar a vigilância do entorno do Canoas e equipar a Prefeitura e as autoridades ambientais para reprimir a ocupação ilegal da região e as práticas que prejudiquem o ecossistema local.

No entanto, se a fiscalização hoje não é suficiente sequer para inibir a existência de alguns lotes irregulares, por que passaria a ser com o aumento de terrenos e propriedades? Nesse caso, a demanda de fiscalização não seria ainda maior, assim como o risco de irregularidades? A realidade é que a diminuição da proteção em torno ao Rio Canoas e a liberação dos loteamentos só traria mais insegurança, prejuízos ambientais e riscos de novas estiagens.

Não estivéssemos passando por um momento tão crítico, com a falta d’água e outras tragédias ambientais rondando nossa cidade, poderíamos sim cogitar mudanças para trazer a lei para mais perto da realidade de 2021, sem reduzir a proteção do rio. Infelizmente, não temos essa vantagem. Qualquer tentativa de reduzir a área de proteção do Canoas em meio à escassez de água na cidade e com os indicadores apontando para a redução da captação ano após ano coloca em risco a preservação da nossa principal fonte de recursos hídricos e, consequentemente, o abastecimento e a saúde da população no futuro.

A alteração da lei é uma demanda antiga do setor imobiliário da cidade. Argumenta-se que a restrição ambiental, tal como é hoje, atrapalha o crescimento e desenvolvimento da cidade. A medida defendida é a flexibilização da proteção da área, possibilitando assim a maior ocupação da região. Na semana em que a Sabesp anunciou pela primeira vez o racionamento de água, os vereadores de Franca se reuniram para discutir essa proposta.

A prioridade das nossas autoridades públicas deveria estar voltada para reforçar a preservação da área do Canoas e em iniciativas para reverter o desabastecimento da cidade, não em propostas que reduzam essa mesma proteção. A seca da nossa principal fonte de água é um alerta de que os nossos recursos naturais são limitados. Não há vida, trabalho e nem comida sem água. Em todo o mundo, o aumento da temperatura e as mudanças climáticas estão ameaçando o acesso da população a esse bem tão importante. Todo o cuidado deveria ser pouco, afinal não queremos correr o risco de enfrentar um racionamento mais severo no futuro. É justo perguntarmos aos nossos vereadores: vale a pena mexer na proteção do Canoas nesse momento?

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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