OPINIÃO

Ainda estamos muito atrasados

O dia 10 de agosto de 2021 vai entrar para a história da Câmara de Franca e da cidade. Ao contrário da maioria dos dias de sessão legislativa, que ocorrem sem grandes emoções ou debates profundos, a última terça-feira teve um roteiro digno de novela.

Por Guilherme Cortez | 15/08/2021 | Tempo de leitura: 4 min
Especial para o GCN

O dia 10 de agosto de 2021 vai entrar para a história da Câmara de Franca e da cidade. Ao contrário da maioria dos dias de sessão legislativa, que ocorrem sem grandes emoções ou debates profundos, a última terça-feira teve um roteiro digno de novela.

Naquele dia, o plenário da Câmara votou o “polêmico” projeto de lei de autoria dos vereadores Lindsay Cardoso, Lindsay Pelizaro e Marcelo Tidy que propunha a instituição da Semana Municipal do Orgulho LGBT no calendário oficial da cidade. Apesar de não diferir em nada das dezenas de propostas que criaram datas simbólicas no calendário municipal, o projeto vinha enfrentando resistência dentro e fora do Legislativo desde que foi apresentado. 

Mesmo depois de receber parecer favorável do setor jurídico da Câmara e ter sido aprovado por unanimidade pelas comissões, o projeto foi rejeitado no plenário por ampla maioria dos votos. Apenas 3 vereadores votaram favoravelmente, enquanto outros 10 foram contrários. O mais curioso de tudo é que um dos votos pela rejeição do projeto veio de um de seus autores, o vereador Marcelo Tidy. Ao fim e ao cabo, os únicos vereadores favoráveis foram Lindsay, Pelizaro e Donizete da Farmácia.

Quem se depara com um resultado tão expressivo pode imaginar que as discussões na Câmara foram marcadas por muitos argumentos contrários ao projeto, mas não foi o que aconteceu. Fora um comentário confuso do vereador Ronaldo Carvalho comparando o orgulho LGBT aos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 na reunião das comissões que aprovou o projeto, nenhum de seus colegas abriu a boca durante as discussões para criticar a proposta ou justificar o voto contrário. Assim, a rejeição ao projeto por ampla maioria dos votos daqueles que sequer se pronunciaram durante sua discussão causou surpresa em quem não acompanhou as movimentações nos bastidores do Legislativo durante as últimas semanas.

Franca é conhecida com uma cidade conservadora, assim como boa parte do interior paulista. A composição da Câmara, majoritariamente formada por homens de meia idade ligados a grupos religiosos, com apenas duas vereadoras, nenhum negro e um único vereador de esquerda e de oposição ao governo municipal é reflexo desse perfil. Embora o resultado das eleições do ano passado tenha expressado uma renovação parcial do Legislativo municipal, com a substituição de 8 vereadores e a eleição de nomes jovens como Daniel Bassi (que esteve ausente na sessão de terça-feira por suspeita de covid) e Lindsay – esta última ligada ao ativismo em defesa dos animais –, a orientação ideológica da Casa de Leis permaneceu praticamente inalterada.

A votação da última terça-feira, no entanto, foi expressão do tamanho do atraso da política municipal. Afinal, se um projeto meramente simbólico, idêntico a dezenas de outros aprovados sem dificuldade, foi barrado na Câmara apenas por fazer menção à comunidade LGBT, é difícil imaginar como temas mais sensíveis seriam encarados pelos nossos legisladores. Inclusive, os mesmos vereadores que vetaram a Semana do Orgulho aprovaram, minutos antes e sem qualquer discussão, a instituição da Semana da Jornada Legislativa e do Dia Municipal da Educação Legislativa no calendário municipal, duas novas efemérides que vão se juntar ao rol de datas desconhecidas pela população.

Além disso, a pressão exercida pela cúpula da igreja evangélica da cidade diretamente sobre os vereadores para que o projeto fosse rejeitado, confessada pelo próprio vereador Marcelo Tidy em entrevista para a Rádio Difusora no dia seguinte à votação, demonstra o quanto a laicidade do poder público está longe de ser uma realidade. De acordo com a Constituição Federal, o Brasil é um país laico, no qual política e religião não deveriam se misturar. O que vimos na última terça, no entanto, é que existe uma poderosa máquina religiosa que exerce forte influência sobre os representantes eleitos pela população de Franca, com poder de definir os rumos de discussões políticas importantes.

Olhando para o painel de votação da Câmara na última terça, podemos ver um reflexo envergonhado da nossa cidade: o retrato de uma Franca ainda profundamente intolerante, preconceituosa e temerosa em relação à diversidade, de cabeça baixa assim como os vereadores que votaram contra o projeto sem se encorajarem a assumir as próprias posições. O respeito à população LGBT da cidade ficou mais distante, mas a necessidade de trazer a política municipal para o presente se mostrou mais urgente do que nunca.

   

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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