Nascido em uma cidade pequena do interior paulista, de criação humilde, introvertido e sem as melhores condições. Pra muitos brasileiros essas características já parecem privar os jovens de uma série de sonhos e objetivos. Não para Alison dos Santos, o "Piu". Nascido na cidade de São Joaquim da Barra, o ainda jovem atleta dos 400 m com barreiras, aos 21 anos, conquistou a medalha de bronze em uma das provas nobres do atletismo olímpico, a mais de 17 mil km de casa, nos Jogos Olímpicos de Tóquio.
Em todos os momentos dos Jogos, quando Alison estava nas pistas ou dando entrevistas, seu jeito carismático e sorridente se destacava. A medalha no peito, após subir no pódio foi a grande coroação de uma história cheia de superações. A coroação de um brasileiro que aos 11 meses passou por um momento que quase custou sua vida. Ainda bebê, num pequeno descuido da avó, que cuidava dele enquanto a mãe Sueli Alves Pereira trabalha, "Piu" virou uma panela de óleo quente em sua cabeça.

A mãe de Alison dos Santos, Sueli Alves Pereira (Dirceu Garcia/GCN)
“Minha mãe estava fritando peixe com ele no colo e colocou ele do lado para pegar a tampa e tampar a panela. No que ela virou, viu ele colocando a mão na panela, que virou nele. Aí caiu na cabeça dele e queimou”, relembra dona Sueli. Após o acidente, "Teco", como é chamado pela mãe, passou seu aniversário de um ano em recuperação no hospital. Sobraram apenas marcas que Alison carrega até hoje.
Apesar das marcas que são evidentes, Alison nunca se preocupou com elas. Ainda assim, um caso isolado de bullying marca dona Sueli, quando um garoto vizinho o chamou de "queimadinho". “Foi um caso único. Na época, fui na porta da casa dele e chamei a mãe dele. Eu disse que não tinha costume de entrar nas brigas dele, mas que isso não aceitaria, já que poderia afetar ele lá na frente. Não quero que meu filho tenha vergonha de se olhar no espelho”, afirma.
De personalidade introvertida, Alison nem de perto era o que se vê hoje. Na infância, o contato era tímido até mesmo com os pais. “Ele era muito tímido. Há alguns anos, ele não daria entrevista de jeito nenhum. Era difícil até ele ficar com a gente na sala”, recordou.
Mesmo com esse jeito retido, Piu sempre esteve ligado ao esporte. Ainda criança, decidiu praticar judô e até ganhava vários campeonatos da cidade, mas no esporte ele se machucava muito. “Quando era pequeno, praticava judô e adorava. Ele foi para vários campeonatos, mas machucava muito. Mas, mesmo assim, ia. Só que teve uma competição que machucou o joelho e não pôde mais ir”, conta Sueli.
Para que pudesse fortalecer seu condicionamento e evitar essas lesões, por volta de 2013, Alison decidiu ir até o Clube do Espigão, onde aconteciam as aulas do Projeto Correndo para Vencer. “Um belo dia, apareceu esse menino magrelo e espigado pedindo para fazer um condicionamento físico e se preparar para o judô”, relembra o fundador do projeto, Devair Barbosa.

Entrada do Clube do Espigão, em São Joaquim da Barra (Dirceu Garcia/GCN)

Entrada do Clube do Espigão, em São Joaquim da Barra (Dirceu Garcia/GCN)
Foi aí que a chave virou para Alison. Durante os treinamentos, ele chamou a atenção de dois treinadores do atletismo, Ana Fideli e Alderico Alexandre, que o convidaram para praticar o 400 m com barreiras. “Ele sempre foi muito dedicado. A gente fala que estava acostumado a 'comer treino'. Poucos dentro do projeto tinham essa qualidade. Fora que o biotipo dele é diferenciado”, afirmou Alderico.
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Até mesmo os companheiros de Alison na época do projeto se assustavam com o brilho de Piu. Rita de Cássia, que também compete e esteve próxima dos índices olímpicos, relembra que para Alison tudo era fácil e que os amigos até ficavam bravos. “Ele é muito esforçado e com o biotipo dele dá para ver também. A gente até ficava bravo, porque todos nós fazíamos um esforço enorme e para ele era fácil, por conta do tamanho da perna dele (risos)”, brinca Rita.

Pista onde Allison treinava na infância, no Clube do Espigão (Dirceu Garcia/GCN)
Logo, o menino de São Joaquim da Barra começou a ir para vários campeonatos e sempre voltava com alguma medalha. Foi aí que a família, treinadores e amigos perceberam que ele era diferenciado. “Quando ele começou a ganhar os campeonatos regionais eu percebi que era muito bom. Ele ganhava medalha de ouro em todo campeonato que ia. Era muito difícil não vir com uma medalha. Aí eu vi que tinha potencial”, disse a mãe.
As conquistas de Alison começaram a se tornar maiores do que a cidade de São Joaquim da Barra conseguia oferecer. Sem muitas condições, tendo apenas a pista de carvão do Espigão para treino, o próprio atleta sentiu que era a hora de se mudar. “O Alison me manifestou o desejo de sair, por questões pessoais. Eu acredito que a maioria dos atletas almeja um crescimento profissional e a manifestação desse desejo dele veio nesse sentido. Acredito que viu a possibilidade de se tornar um grande atleta”, conta o treinador Alderico.
Devido ao pedido, vários convites começaram a chegar Alison. Alguns até mesmo de fora país. Outros, de grandes equipes de atletismo do Brasil, como o Esporte Clube Pinheiros. Destino de Alison, em 2017.
Para dona Sueli, ter permitido que o filho se mudasse para 400 km de casa não foi fácil. “Eu fiquei com o coração apertado. Até no momento eu não acreditava que teria coragem de ir. Mas eu fui vendo que ele estava se interessando. Sabia que iria doer, mas disse para ir em busca dos sonhos dele”, conta Sueli.
A partir da mudança, a vida de Alison mudou completamente. Em vez de campeonatos regionais, o jovem começava a competir nacionalmente e internacionalmente. Mesmo à distância, o fundador do projeto onde Alison começou, Devair Barbosa, fez questão de acompanhar o prata da casa. “Ele começou a ir para competição. Paulista, Brasileiro, ele começou a ser campeão em tudo. Ganhou o Brasileiro e atingiu o índice para ir para o Pan-Americano e foi campeão lá em Lima, em 2019.” recordou.
Já dominando o continente, o sonho de participar dos Jogos Olímpicos deixava de ficar distante. No ano seguinte à conquista do Pan, Alison atingiu o índice para classificar a Tóquio. A mãe Sueli recorda bem do momento quando o filho noticiou a classificação. “Eu fiquei muito feliz. Eu falei ‘Meu filho, você merece'. Ele correu atrás de tudo o que conquistou”, disse.
Num fuso horário de 12 horas, do outro lado do mundo, lá estava Alison. O menino introvertido de São Joaquim da Barra já não era mais o mesmo. O esporte escondia as marcas do acidente com a panela e destacavam o sorriso e carisma de Piu para todo o Brasil.
As quartas foram fáceis, as semis ainda mais. Na final, Alison estava ao vivo, em rede nacional, na raia 7, do Estádio Olímpico de Tóquio. Na última curva, passadas todas as barreiras, o país todo já comemorava. Alison, numa incrível marca de 46s72, conquistava a medalha de bronze em uma das maiores provas da história do atletismo. À frente dele ficaram o norueguês Karsten Warholm, que marcou 45s94 e pulverizou o recorde mundial, e o norte-americano Raj Benjamin (46s17), o medalhista de prata.
A cidade de São Joaquim da Barra virou uma verdadeira festa. Na humildade casa onde Alison cresceu, dezenas de familiares e amigos se reuniram para acompanhar a conquista do joaquinense. Para dona Sueli, todo o esforço se compensou naquele momento. “Meu coração estava apertado. Eu falando para ir logo e fui vendo que ele foi passando. Nossa, é muita emoção. Não sei nem explicar. Todos aqui gritando, se abraçando e falando que sabíamos que ia chegar e conseguir”, contou.

Em São Joaquim da Barra, faixas foram estendidas para comemorar o sucesso de Alison (Dirceu Garcia/GCN)

Em São Joaquim da Barra, faixas foram estendidas para comemorar o sucesso de Alison (Dirceu Garcia/GCN)
Para todos, seja a mãe, familiares, treinadores ou amigos, a conquista é apenas o início. Ainda muito jovem, com apenas 21 anos, Alison está distante do seu auge. Agora, são as pistas de Paris 2024 que aguardam o Piu de São Joaquim da Barra. “O Piu tem apenas 20 anos. Em Paris vai chegar um pouco mais maduro, com mais bagagem e eu tenho certeza que vai ser medalhista de ouro. Nós podemos esperar isso”, cravou Devair.
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