ARTIGO

Quem tem medo do orgulho LGBT?

O objetivo da proposta é chamar a atenção da população e das autoridades públicas para a realidade da população LGBT

Por Guilherme Cortez | 01/08/2021 | Tempo de leitura: 3 min
Especial para o GCN

A instituição de datas simbólicas é uma das atividades mais promissoras do Poder Legislativo municipal. Todos os anos, dezenas de projetos de autoria dos vereadores são aprovados incluindo marcos no calendário oficial do município, a maioria desconhecidos da população e boa parte homenageando grupos religiosos ou entidades da cidade.

Por exemplo, no dia 23 de outubro é celebrado o Dia do Aeroclube Francano. No último domingo de janeiro, se comemora anualmente o Dia Municipal da Força Jovem Universal, em referência ao grupo de juventude da Igreja Universal do Reino de Deus. Em clima de Olimpíadas, 25 de janeiro marca o Dia Municipal do Hapkido. Já julho é todo reservado para o Mês do Night Run – sendo a segunda semana também lembrada como Semana Municipal do Torneio Internacional do Basquete de Franca.

Essas propostas costumam ser aprovadas quase instantaneamente pelos vereadores e sancionadas pelo prefeito, sem muita reflexão sobre o seu significado. Na maioria absoluta dos casos, elas não são sequer relembradas nas respectivas datas e caem no esquecimento, com o registro de uma homenagem bem-intencionada de algum vereador ou vereadora.

A instituição de datas comemorativas no calendário oficial é uma prática importante para os vereadores “fazerem média” com suas bases eleitorais. Por isso, nas Câmaras e Assembleias Legislativas país afora, costuma existir um combinado implícito para que esses projetos sejam aprovados sem questionamentos entre os parlamentares – uma espécie de pacto para que vereadores e deputados não frustrem as homenagens uns dos outros.

Não é de se estranhar que alguns vereadores façam dessa atividade sua prioridade legislativa. É um negócio rentável: sem esforço, as propostas são aceitas, um determinado grupo de pessoas ou categoria recebe a merecida (ou não) homenagem oficial e o poder público não adquire novos gastos porque a maioria dessas datas não são sequer celebradas de fato.

Surpreende, porém, que uma determinada proposta do gênero esteja causando comoção dentro e fora da Câmara de Franca. De autoria dos vereadores Lindsay Cardoso, Gilson Pelizaro e Marcelo Tidy, o Projeto de Lei nº 92/2021 busca instituir a Semana Municipal do Orgulho LGBT de Franca no final do mês de junho. Mas, ao contrário da esmagadora maioria das propostas do tipo, o projeto tem enfrentado resistência, apesar de aprovado pelas comissões da Câmara.

Há quem pense que a instituição desse marco no calendário municipal representaria uma indevida promoção de determinada orientação sexual – seja lá o que isso queira dizer. Nada mais errado! Afinal, a existência de um dia municipal em homenagem ao hapkido não força ninguém a praticar a luta marcial sul-coreana na cidade.

Na verdade, o objetivo da proposta é chamar a atenção da população e das autoridades públicas para a realidade da população LGBT. Não sem motivo: o Brasil é o país que mais registra mortes de pessoas da comunidade LGBT motivadas pelo preconceito e pela intolerância no mundo inteiro.

Infelizmente, a situação em Franca não é diferente. No começo do ano passado, uma jovem transexual foi agredida por um grupo de homens em pleno terminal de ônibus da Estação. Os criminosos ainda fizeram questão de filmar toda a cena, com certeza da impunidade. Casos como esse são apenas a ponta do iceberg por cima de jovens que abandonam os estudos por causa do preconceito, filhos que são expulsos de casa e pessoas de todas as idades que adoecem por conta da violência psicológica, verbal e moral enfrentada todos os dias.

O incômodo pelo simples fato de se cogitar instituir um marco simbólico voltado para a comunidade LGBT no calendário oficial da cidade é o exato motivo pelo qual medidas como essa são necessárias. Enquanto a existência de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais for tratada como um tabu a ser escondido, todo gesto de afirmação será necessário.

Um ano tem 52 semanas. O certo seria que a reflexão sobre a realidade da comunidade LGBT em Franca e no país acontecesse em todas elas. Ninguém deveria se preocupar com uma só reservada para isso no calendário municipal.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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