OPINIÃO

Pra quê mudar o que funciona?

A urna eletrônica brasileira é uma referência internacional. Ela foi experimentada pela primeira vez nas eleições municipais de 1996 em 57 municípios. De lá para cá, passou a ser aplicada em todas as cidades do país e nenhum indício de fraudes foi comprovado.

Por Guilherme Cortez | 25/07/2021 | Tempo de leitura: 3 min
Especial para o GCN

Tamanha é a crise pela qual o Brasil passa que, ultimamente, ao invés de se pensar em como consertar o que não funciona no país, há muitas pessoas que se dedicam a desconstruir o pouco que dá certo por aqui.

Alguns anos atrás, por exemplo, um ministro do presidente Michel Temer chamado Ricardo Barros disse que era preciso rever o tamanho do Sistema Único de Saúde. Pouco tempo depois, o Brasil e o mundo se viram diante de uma pandemia até então inimaginável, o mesmo Ricardo Barros (hoje líder do governo Bolsonaro na Câmara) está sendo acusado de comandar um esquema de propina na compra de vacinas contra o coronavírus e o SUS que se dizia “grande demais” foi essencial para garantir acesso à saúde e salvar as vidas de milhões de pessoas. O que teria acontecido se, lá atrás, alguém tivesse dado ouvidos às ideias do então ministro e achasse uma boa ideia reduzir o alcance do sistema de saúde pública do país?

O mesmo acontece hoje em meio às discussões sobre a mudança do sistema eleitoral brasileiro. É certo que há muito para melhorar na forma de escolha dos representares políticos no nosso país. A começar por corrigir as distorções que perpetuam alguns mesmos grupos nas câmaras, assembleias e governos país afora e afastam outros. Mas a maioria das propostas em debate atualmente vão no sentido oposto: tratam de piorar o sistema já existente.

A principal delas pretende substituir o voto em urna eletrônica pelo modelo impresso, que consiste no depósito de cédulas de papel em caixas de acrílico e na apuração manual por mesários – um esquema evidentemente mais propício a problemas e intercorrências. Um dos principais entusiastas dessa proposta é o presidente Jair Bolsonaro, eleito 6 vezes pelo voto em urna eletrônica, que acusa sem provas o sistema atual de proporcionar fraudes.

A urna eletrônica brasileira é uma referência internacional. Ela foi experimentada pela primeira vez nas eleições municipais de 1996 em 57 municípios. De lá para cá, passou a ser aplicada em todas as cidades do país e nenhum indício de fraudes foi comprovado. Seu sistema conta com tecnologia de ponta, que funciona desconectado da internet para evitar a invasão por hackers. As urnas são auditadas em várias ocasiões por técnicos e representantes de todos os partidos políticos. Antes do início da votação, é emitido um comprovante de que não há nenhum voto em cada urna (a chamada zerésima). Ao final, são impressos os boletins com todos os votos registrados e computados em minutos pela Justiça Eleitoral, tornando um dos sistemas de apuração mais rápidos do mundo.

Na contramão, nos Estados Unidos, onde o voto é registrado em cédulas, a apuração pode levar dias e abre margem para questionamentos de todo tipo, como aconteceu nas eleições do ano passado. Aliás, ainda temos na memória as imagens do Congresso americano invadido e vandalizado por apoiadores do candidato derrotado embalados pela narrativa de fraude eleitoral.

Na realidade, por trás do discurso de combate às supostas fraudes, a proposta de voto impresso visa colocar em dúvida todo o processo de votação brasileiro e tumultuar as próximas eleições. Não à toa, o próprio presidente Bolsonaro já disse que, sem voto impresso, não apoia a realização do pleito do ano que vem – uma afronta à democracia e a Constituição sem precedentes na história recente da República.

A substituição da urna eletrônica nesse momento é um péssimo indicador. Significa trocar um modelo que é referência no mundo todo pela volta ao passado e por um sistema arcaico, abrindo brechas para mais dúvidas e colocando em xeque a democracia brasileira. Enquanto isso, o Congresso Nacional aprovou R$5,7 bilhões de recursos para o fundo eleitoral.

Há muita coisa para ser revista e mudada no Brasil. Vamos começar pelo que precisa de fato e deixar o que funciona como está.

   

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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