OPINIÃO

República fardada

Conforme avançam os trabalhos da CPI no Senado que investiga a gestão da pandemia pelo governo federal, o clima em Brasília esquenta.

Por Guilherme Cortez | 11/07/2021 | Tempo de leitura: 3 min
Especial para o GCN

Conforme avançam os trabalhos da CPI no Senado que investiga a gestão da pandemia pelo governo federal, o clima em Brasília esquenta. Na última semana, os senadores ouviram o ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde acusado de cobrar propina nas negociações para aquisição de vacinas e pressionar servidores para liberar a compra do imunizante indiano Covaxin com preço superior ao de mercado. Durante seu depoimento, o ex-diretor recebeu voz de prisão sob acusação de prestar falso testemunho. Horas depois, naquele mesmo dia, foi solto após pagamento de fiança.

O episódio rendeu ainda uma crise institucional envolvendo o Senado e a cúpula das Forças Armadas. Comentando as revelações da CPI, muitas envolvendo irregularidades praticadas por militares que compõem o governo (como o próprio ex-diretor que prestava depoimento, que foi sargento da Aeronáutica), o presidente da Comissão, senador Omar Aziz, disse que “os bons das Forças Armadas” devem estar envergonhados e que há muitos anos o país não via militares envolvidos com falcatruas dentro de governos. A declaração rendeu uma nota crítica, assinada pelos comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica e pelo ministro da Defesa, acusando o comentário do senador de desrespeitar as instituições militares e afirmando que as Forças Armadas não aceitariam “qualquer ataque leviano”.

A nota foi recebida como uma tentativa de intimação aos trabalhos da CPI e um ato de ingerência das Forças Armadas na política do país. Aliás, não o primeiro. Nos últimos anos, a interferência dos comandos militares em assuntos nacionais tem sido recorrente. Em um dos mais marcantes, na véspera do julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula, o general Eduardo Villas Bôas usou suas redes sociais para dizer que repudiava “a impunidade” e que o Exército estava “atento às suas missões institucionais”, sem deixar claro ao que estava se referindo. O episódio também foi visto como uma tentativa de pressionar o Supremo Tribunal Federal, que acabou negando o habeas corpus do ex-presidente.

Em outro episódio mais recente, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que é general da ativa, participou e discursou em um ato de apoio ao presidente Jair Bolsonaro, em violação ao Código Penal Militar e ao Estatuto do Exército, que proíbem manifestações político-partidárias de militares da ativa. Julgado por seus pares, foi absolvido e o processo colocado sob sigilo por 100 anos. Um precedente perigoso para a insubordinação da tropa.

Capitão reformado do Exército, o presidente é um entusiasta da participação dos militares na política. Durante toda sua carreira, elogiou a ditadura que governou o Brasil de 1964 a 1985, marcada pela repressão à liberdade de expressão e perseguição aos seus opositores. Seu governo, inclusive, é o que mais emprega militares desde aquele regime.

No mês de março desse ano, em outro episódio de tensão, os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica pediram demissão conjunta após pressão do governo para que as Forças Armadas se manifestassem mais em sua defesa. Apesar de presidente nenhum ser dono das instituições militares de um país, Bolsonaro costuma se referir ao “seu” Exército.

Como braço armado do Estado, as instituições militares exercem uma pressão e influência desproporcionais sobre qualquer debate público. Não dá para existir nenhuma discussão livre e equilibrada se só um dos lados detém consigo toda a força. Deixa de ser um debate democrático e passa a ser uma chantagem de quem tem autoridade sobre quem tem medo. Por isso, em uma democracia, não é função das Forças Armadas intervir nas discussões políticas do país. Não por outro motivo, temas que afetam os interesses dos militares, como a revisão das pensões para viúvas e dependentes, não prosperam.

As Forças Armadas não cumprem um bom papel palpitando em temas políticos e medindo forças com as instituições republicanas. Misturar política e militarismo é a receita para experiências trágicas e autoritárias. Em um país que ainda se recupera do trauma de 21 anos de ditadura e em que o presidente em exercício insiste em dar declarações ameaçando não deixar o cargo se perder as eleições, essas movimentações devem ser vistas com muita atenção. Os erros do passado devem ficar no passado.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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