ARTIGO

Franca não é segura para LGBTs

Relatos de agressões físicas, ameaças, expulsões de casa e intolerância de todo o tipo são frequentes.

Por Guilherme Cortez | 27/06/2021 | Tempo de leitura: 4 min
especial para o GCN

Amanhã é Dia Internacional do Orgulho LGBT, sigla que reúne lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e pessoas que não se identificam com a identidade de gênero e orientação sexual padrões da sociedade. A data faz referência à Revolta de Stonewall, um levante de pessoas LGBTs pobres na cidade de Nova York contra a violência policial, em 28 de junho de 1969. Mas muita gente se pergunta qual é a necessidade de marcar datas como essa ou destacar determinados grupos em detrimento de outros. Afinal, não existe “dia do orgulho heterossexual” e nem “da consciência branca”, assim como o Dia do Homem, celebrado em 15 de julho, não recebe a mesma atenção que o 8 de março, Dia Internacional das Mulheres.

Em geral, esses marcos têm o objetivo de propor a conscientização do conjunto da sociedade sobre realidades que nem sempre são enxergadas. Servem como um lembrete para que, pelo menos nessas datas, se chame a atenção e à reflexão sobre a situação das chamadas “minorias” – que não são minoritárias em termos numéricos, mas sim em direitos assegurados.

Mas o que refletir no Dia do Orgulho LGBT?

A situação das pessoas LGBTs no Brasil e no mundo não é fácil. Ainda hoje, a relação entre pessoas do mesmo gênero é considerada crime em 68 países (em alguns, punida com castigos físicos e pena de morte). Embora essa não seja a realidade do Brasil, somos apontados como o país que mais registra mortes motivadas por preconceito e intolerância no mundo inteiro.

Enquanto muitos países têm avançado no terreno dos direitos e da cidadania LGBT, o Brasil caminha na contramão. As conquistas mínimas dos últimos anos vieram pela ação do Poder Judiciário, porque os Legislativos – federal, estaduais e municipais – estão completamente obstruídos para esses temas por conta da hegemonia das bancadas conservadoras. Isso sem falar que temos um presidente da República que construiu sua carreira política em cima do discurso de ódio, da intimidação e da criação de factoides contra a comunidade e o movimento LGBT e já disse que preferia que um filho seu morresse do que fosse gay.

Na realidade, o que caminha nas Câmaras e Assembleia Legislativas país afora em relação à temática da diversidade sexual e de gênero são projetos que retiram direitos e intensificam a repressão. Ainda nesse ano, vimos a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo discutir a censura às pessoas LGBTs nos meios de comunicação, sob o pretenso discurso de proteção à infância.

O reconhecimento do casamento homoafetivo e a equiparação do crime de ódio contra pessoas LGBTs ao racismo foram as maiores conquistas do movimento nos últimos anos, mas ainda há muito no que avançar. A criminalização da violência LGBTfóbica é um marco importante para o Estado brasileiro reconhecer e desnaturalizar essa prática. Afinal, quando falamos desses crimes, estamos falando de atos de violência motivados pela intolerância à existência alheia. Não por outro motivo, essas ações são frequentemente filmadas e contam com requintes de crueldade brutais.

A realidade em Franca não é diferente. Relatos de agressões físicas, ameaças, expulsões de casa e intolerância de todo o tipo são frequentes. Não somos, definitivamente, uma cidade segura, acolhedora e nem confortável para a população LGBT. Não à toa, o sonho de muitas pessoas é mudar para outros lugares, como Ribeirão Preto ou São Paulo.

Apesar disso, Franca foi pioneira em termos de legislação. Desde 2003, temos a Lei Municipal nº 5.938, proposta pelo ex-vereador Marcial Inácio e promulgada pelo então prefeito Gilmar Dominici, que pune com multa administrativa e até cassação de alvará atos de discriminação motivados pela orientação sexual ou identidade de gênero alheias. A lei previu também o prazo de 30 dias para que fosse regulamentada pela Prefeitura. 18 anos depois, isso ainda não aconteceu e a lei nunca saiu do papel.

Muito poderia ser feito, a começar por regulamentar a Lei nº 5.938, capacitar os órgãos de saúde para lidar com as especificidades da comunidade, treinar as forças de segurança para combater os crimes de ódio, oferecer cursos profissionalizantes, incentivar pequenos negócios e produções culturais com a temática da diversidade, trabalhar o respeito desde a educação básica e criar condições para a empregabilidade de pessoas LGBTs, através de políticas de reserva de vagas e incentivos fiscais.

Diante de toda essa realidade, é justo perguntar: há motivos para falarmos em “orgulho”?

O orgulho é uma reação da comunidade LGBT às tentativas de esconder, ridicularizar e causar repulsa à diversidade sexual e de gênero. É uma afirmação de que não vemos motivos para nos esconder e nem ter vergonha de quem somos. Em tempos de banalização do ódio, da indiferença, da antipatia e da dissimulação, o orgulho, o amor próprio e a aceitação são armas poderosas e necessárias para quem precisa ir à lutar todo dia simplesmente por existir e amar.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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