FAVELIZAÇÃO

Moradores de rua se espalham por Franca e favela surge na zona Norte

Por Kaique Castro | da Redação
| Tempo de leitura: 6 min
Dirceu Garcia/GCN
Favela está tomando forma no canteiro central da avenida Willian Azzuz, na Vila Gosuen, zona Norte de Franca
Favela está tomando forma no canteiro central da avenida Willian Azzuz, na Vila Gosuen, zona Norte de Franca

Basta dar uma volta pelas ruas e avenidas de Franca para perceber o crescimento na quantidade de moradores de rua espalhados pela cidade. Pontos tradicionais, como a Praça Barão, Estação e o Viaduto Dona Quita, vêm atraindo um alto número de pessoas em situação de rua. Até uma favela, na avenida Willian Azzuz, na Vila Gosuen, zona Norte de Franca, tem tomado forma. No primeiro semestre deste ano, o número de barracas no local se multiplicou.

O calendário marcava o mês de fevereiro, quando o prefeito Alexandre Ferreira (MDB) determinou que um censo sobre os moradores de ruas fosse feito pela Feac (Fundação de Esporte, Arte e Cultura) e a Secretaria de Ação Social. Mas, passados quatro meses, o levantamento não foi concluído. A última pesquisa sobre o assunto, realizada em 2020, apontou que 519 pessoas estão em situação de rua na cidade. O número representa um salto de 122% quando comparado com 2016, quando eram 230 moradores vivendo na mesma situação na cidade.


Barracos possuem estruturas de casa e impressionam pelo tamanho na Av. Willian Azzuz

No canteiro central da avenida William Azzuz, em frente à Casa de Passagem, dois grandes barracos foram montados. Feitos de vigas fincadas no chão para manter a estrutura e lonas para usar de cobertura, é possível observar uma cozinha com utensílios domésticos e quarto com camas, além de sofás do lado de fora, semelhante a uma sala. Ao redor dos barracos, há pelo menos oito barracas menores.


Na avenida Wiliam Azzuz em janeiro deste ano, tinha apenas uma barraca. Hoje, são 11, com dois barracos grandes, que ficam espalhados pelo canteiro central

Assim como em uma casa, os moradores também construíram um grande varal, onde estendem as roupas para secar. No local também foi feita uma espécie de área de lazer, com campo de futebol, onde crianças e adultos costumam se divertir.

É possível ver a movimentação de tráfico de drogas no local, além do consumo imediato.

As estruturas chamam a atenção de quem passa pelo local. Mesmo o canteiro sendo limpo uma vez por mês por uma equipe da Prefeitura, o acúmulo de lixo é notável. A secretária de Ação Social, Gislaine Liporoni, se limitou a falar sobre a favelização, dizendo que a pasta vem identificando as demandas necessárias para aquela população.

“A Secretaria seguirá com o trabalho de Abordagem Social e Acolhimento, identificando ainda as pessoas que demandam outros serviços de assistência social e demais políticas, a exemplo do tratamento da dependência química”, explicou.

Ainda de acordo com a Ação Social, atualmente dois serviços estão sendo realizados para atender a população em situação de rua no Espaço Dignidade (Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua), o antigo Centro Pop, onde aproximadamente 40 pessoas pernoitam no lugar, que atende no prédio onde era o antigo CSU (Centro Social Urbano), na Vila Formosa.

“Em menos de 30 dias os impactos desses serviços já são observados com 40 pessoas atendidas todos os dias da semana no pernoite (fora das ruas). Esses serviços foram criados nesta administração, em menos de cinco meses de governo, como forma de enfrentar essa questão social que ficou sem atendimento específico por quatro anos”, concluiu.

Apesar da secretária informar que os serviços estão funcionando, vários grupos de moradores se agrupam em pontos da cidade. Atualmente Franca conta com três serviços que prestam assistência aos moradores de situação de rua. Em entrevista recente ao Portal GCN, Padre Ovídio de Andrade, presidente da Pastoral do Menor, responsável pelo Abrigo Provisório, afirmou que a busca de uma solução precisa ser em conjunta.

“É uma questão que ultrapassa a assistência social e envolve a segurança pública, a justiça, a educação, a saúde, trabalho, enfim. Se faz necessário e urgente o trabalho conjunto e articulado de todas as políticas públicas, a sociedade, para resolver ou minimizar esta situação, que assola todo o nosso país e, infelizmente, todo o mundo. Extremamente necessário articular benefícios, projetos, programas e serviços da política de assistência social e de outras políticas, para promover atenção integral a esta população, que teve a vida marcada pela negação de direitos.”

Pontos tradicionais e turísticos são feitos de casas pelos moradores de rua
Embaixo do Viaduto Dona Quita, mais de dez andarilhos moram em barracos feitos com restos de madeira, papelão, lonas e tecidos. Dos dois lados do viaduto, existem barracas. Trabalhando com reciclagens, Edimar Alves Santana, de 60 anos, é um dos moradores do local. Ele, que veio para Franca com 4 anos de idade, é pai de 16 filhos, 13 deles vivos. Edimar está no viaduto, que chama de “minha casinha”, há cerca de um ano junto com a mulher.


Viaduto Dona Quita é tomado pelos moradores de rua


Segundo Edimar, após a primeira separação e a morte do pai, decidiu ir morar na rua, onde virou dependente de bebidas alcoólicas.

“Eu separei. Depois meu pai morreu e eu fiquei desgostoso. Eu bebo três carotes de pinga por dia. Antes eu ficava na rua, na calçada. Já morei no Abrigo Provisório, mas não gostei. Não quis ficar. Quis a rua mesmo. Eu cuido daqui, fiz um banheiro pra gente fazer as nossas necessidades. Aqui não tem perturbação. A gente é pessoa que trabalha, não rouba. Não tenho nada do que reclamar. Vou fazer 60 anos e estou do jeito que estou. Não posso reclamar de nada”, disse Edimar, que chegou a fazer uma pequena plantação de salsinha e cebolinha, em frente ao seu barraco.

Um outro local que está sendo tomado por moradores de rua é o prédio da antiga Mogiana, que fica no bairro da Estação. Colchões estão espalhados pela calçada, barracas estão sendo construídas e, aos poucos, o local que era um ponto turístico está sendo deteriorado.


Moradores usam lateral da estação de banheiro. Grades  já estão corroídas por conta da urina


Dependente químico, Braylher Marcos Gonçalves resolveu sair de casa após inúmeros problemas familiares. Ele conta que nas ruas, encontrou o amor e carinho que nunca teve em casa.


Blaylher Marcos Gonçalves, de 46 anos. Está morando há 3 meses em um barraco feito de cobertas, lençóis e madeira na estação da Mogiana

“Eu saí de casa por minha família me rejeitar. Sofri humilhações. Encontrei nos moradores de rua, por incrível que pareça, um amor, um carinho, que nunca tive dentro de casa. Eu sei que eles (família) me amam, mas esses aqui (moradores) me amam muito mais. Porque eles sofrem junto comigo. Eu tenho uma vontade imensa de sair daqui, hoje mesmo, se fosse agora... Mas minha família é uma família honesta e não aceita erro. E eu erro. Eu bebo pinga, uso drogas, cheiro cola, thinner, o que tiver. Eu uso tudo, só não injeto drogas na veia, isso eu nunca vou fazer”, conta o morador, que também recolhe recicláveis.

Já na região central, o caso vem trazendo transtorno. Segundo relatos dos moradores do Centro, os andarilhos usam a Concha Acústica de varal de roupas e de abrigo. Utilizam a fonte luminosa para tomar banho. E na praça Barão, eles fazem o canteiro de depósito de reciclagens.

A moradora de um prédio no Centro da cidade, Rosana Silva, disse que a situação está insustentável. "Os canteiros estão imundos, com tantas coisas deles guardadas lá, além da cachorrada. Alguém precisa tomar providências. Está insustentável essa situação e nenhum órgão resolve isso. Um joga para o outro."

Os moradores e comerciantes também queixam de furtos e tráfico de drogas no local. "Já ocorreram até roubos, com umas pessoas dessas agredindo uma senhora, arrancando sua bolsa e saindo ocorrendo", completou Rosana.

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