ARTIGO

Impeachment no radar

Bolsonaro é apontado, dentro e fora do país, como um dos piores gestores da pandemia a nível mundial. A postura negligente e insensível diante do colapso sanitário do país se tornou marca do seu governo.

Por Guilherme Cortez | 19/06/2021 | Tempo de leitura: 4 min
especial para o GCN

No Brasil, presidentes terminarem os mandatos para os quais foram eleitos é exceção e não regra. Na verdade, a própria eleição de presidentes não é regra. 131 anos depois da proclamação da República, boa parte das pessoas que governou o país não foi eleita pelo voto popular. Se incluir nessa conta os presidentes eleitos na época em que mulheres e homens sem posses não tinham direito ao voto, esse número passa da metade.

Ditadores, juntas militares, vices e substitutos interinos comandaram o Brasil durante longos períodos da nossa recente história republicana. Não à toa, o momento que vivemos desde o fim da ditadura militar até hoje, em que 5 presidentes foram eleitos pelo voto direto universal – Collor, Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma e Bolsonaro –, é o mais longo período democrático que o país já vivenciou. Desses, 2 foram afastados em processos de impeachment e trocados por seus vices: Collor, substituído por Itamar Franco, e Dilma, substituída por Michel Temer. Mas, sem exceção, todos sofreram tentativas de afastamento.

O impeachment é um instrumento importado dos Estados Unidos, pensado para afastar governantes que cometem crimes em seus mandatos. Na prática, no Brasil e em boa parte do mundo, esse mecanismo se tornou uma arma mais política do que jurídica, uma reação contra governos que perdem apoio popular ou base parlamentar. Assim, autoridades que comprovadamente cometeram crimes no exercício de suas funções sobreviveram com o apoio de seus pares, enquanto inocentes perderam seus cargos por não contarem com a mesma simpatia.

Essa cultura criou uma anomalia no Brasil. Para se manter no poder, um presidente, governador ou prefeito não precisa não praticar crimes, mas ter aliados que o resguardem se vier a cometer. O que significa que o crime, se bem amparado, compensa para as autoridades públicas brasileiras.

Voltando ao Brasil de 2021, vivemos um cenário de terra arrasada. Depois de mais de um ano de pandemia, registramos meio milhão de mortos pela covid-19. Nos tornamos o epicentro da pandemia no mundo todo, enquanto vários países já começam a voltar à normalidade e fecham suas fronteiras para os brasileiros.

É fato que todos os governos do mundo, de esquerda e de direita, foram surpreendidos pela pandemia. Estávamos pouco preparados para enfrentar um fenômeno como esse de maneira global. Mas as ações de cada governante fizeram diferença. O melhor exemplo são os Estados Unidos, que trocaram um presidente que negava as recomendações científicas por outro que apostou na vacinação e, em menos de um semestre, já começam a superar a covid.

Bolsonaro é apontado, dentro e fora do país, como um dos piores gestores da pandemia a nível mundial. A postura negligente e insensível diante do colapso sanitário do país se tornou marca do seu governo. Quando o mundo ainda descobria o coronavírus, ele usou a rede nacional de rádio e televisão para chamar a covid de “gripezinha”, minimizar seus riscos e a necessidade de medidas sanitárias. Em diversas ocasiões quando perguntado sobre o número de mortes pelo vírus, manifestou desprezo. Organizou, promoveu e incentivou aglomerações com a sua própria participação, sem qualquer preocupação sanitária, ignorou dezenas de ofertas para a compra de vacinas, fez propaganda de medicamentos sem eficácia e, mais recentemente, voltou a desincentivar o uso de máscaras em locais públicos.

Assumidamente, o presidente se coloca na posição de sabotador geral do combate à pandemia no Brasil. E o pior: não dá indícios de que pretende rever essa postura.

A CPI que investiga a gestão da pandemia pelo governo federal está averiguando os possíveis crimes cometidos por Bolsonaro e seus auxiliares. Os indícios até agora levantados são graves. Segundo o vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues, o governo teria recebido 81 ofertas de compras de vacina pela farmacêutica Pzifer e ignorado 9 em cada 10 delas.

O boicote à compra do único recurso capaz de evitar mortes e reverter a crise de saúde no Brasil é somente uma das graves acusações que pesam contra o presidente. Há mais sendo investigadas pela CPI e outras não vinculadas à gestão da pandemia, como a tentativa de interferir na Polícia Federal em proveito próprio e denúncias que baseiam mais de uma centena de pedidos de impeachment entregues ao presidente da Câmara dos Deputados.

O Brasil já viu presidentes sofrerem impeachments sob acusações de conspirar para impedir a posse de um sucessor (Carlos Luz e Café Filho), receber dinheiro para favorecer empresas (Collor) e praticar pedaladas fiscais (Dilma). Se a CPI comprovar que as ações do governo agravaram a maior crise de saúde da história do país e comprometeram a vida de pelo menos meio milhão de pessoas, é difícil pensar o que seria causa maior para o afastamento de um presidente. As manifestações em Franca e em todas as regiões do Brasil ontem mostraram que a tolerância com a postura de Bolsonaro se esgotou. O impeachment é uma realidade.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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