OPINIÃO

O lockdown deu certo?

Lockdown não é uma palavra mágica que funciona só por ser anunciada. Sem adesão e respeito às medidas, elas são incapazes de surtir efeitos por si só.

Por Guilherme Cortez | 13/06/2021 | Tempo de leitura: 4 min
especial para o GCN

Dirceu Garcia/GCN

Franca tem sido palco de movimentos contra o lockdown desde o ano passado
Franca tem sido palco de movimentos contra o lockdown desde o ano passado

Depois de 15 dias, o lockdown chegou ao fim em Franca à meia-noite de sexta-feira (11). O prefeito Alexandre Ferreira já tinha anunciado no começo da semana passada que não estenderia a duração do confinamento na cidade, como se cogitava diante dos números críticos de novos casos e óbitos por covid-19, e a retomada das atividades com restrições a partir de então.

O lockdown não foi adotado sem resistência. Desde a campanha eleitoral, Alexandre já declarava que em hipótese alguma implementaria a medida. Empossado, a palavra “lockdown” se tornou um tabu, quase impossível de ser ouvida da boca do prefeito. Pelo contrário: durante seus primeiros meses de mandato, Alexandre brigou com as medidas restritivas do governo estadual, além de tentar comprar medicamentos ineficazes para combater o coronavírus em um ato de desprestígio às orientações científicas.

Além disso, Franca tem sido palco de movimentos “contra o lockdown” desde o ano passado, quando a medida sequer era seriamente cogitada pelo então prefeito que concorria à reeleição e também se esforçava para afastar a palavra do seu entorno. Muitos desses atos, aliás, intercalados com manifestações de apoio ao presidente Bolsonaro e pedidos de intervenção militar.

Desde que o confinamento foi anunciado no dia 24 de maio, já se sabia que o caminho pela frente não seria fácil. Depois de mais de um ano de pandemia, a cidade se acostumou com medidas restritivas que a Prefeitura não se importava em fiscalizar e tampouco a população em respeitar. Um lockdown, para ser minimamente eficiente, teria que ser mais sério do que isso.

De fato, a adesão dos comerciantes e negócios locais foi maior, da mesma forma que a fiscalização da Prefeitura. Fábricas, motéis, mercados, bares, academias, lojas, festas, restaurantes e farmácias foram autuados. Mas, infelizmente, uma série de decisões judiciais que viriam a ser revertidas pelo Supremo Tribunal Federal possibilitou o funcionamento de setores e até estabelecimentos individualmente durante alguns dias no meio do cumprimento do lockdown, causando confusão entre a população e indignação por parte dos comerciantes que ficaram de fora.

Apesar disso, os números do isolamento na cidade foram inferiores ao recomendado para reduzir a transmissão do vírus. Durante a maior parte dos dias, menos da metade da população respeitou o confinamento. A maior adesão registrada foi no dia 3 de junho, quando 50% das pessoas ficaram em casa. Segundo a Organização Mundial da Saúde, é considerado aceitável para conter o coronavírus um índice de 50% a 60% de isolamento e ideal, entre 60% e 70%. Ou seja, ficamos abaixo do aceitável e longe do ideal.

O que teria acontecido então? A resposta não é fácil. As análises sobre os efeitos do lockdown em Franca, acompanhado por mais de uma dezena de municípios da região, devem ser feitas nos próximos dias. No entanto, a sensação generalizada na cidade é de que a medida não foi efetiva. São recorrentes os relatos de pessoas que aproveitaram o confinamento para dar festas e reunir os conhecidos, não respeitando sequer o distanciamento social, muito menos o isolamento.

Os números ainda não nos permitem ver o impacto nos casos e óbitos pela covid. Como o coronavírus pode demorar até duas semanas para manifestar seus sintomas, ainda precisaremos de alguns dias para saber quantas pessoas deixaram de se infectar na cidade e sua consequência para o sistema de saúde. Da mesma forma, os números de novos casos registrados durante o lockdown correspondem a infecções ocorridas semanas atrás e não aos efeitos imediatos do decreto municipal.

Se bem cumprido, o confinamento é a única medida capaz de reverter o colapso de um sistema de saúde, como mostrou o exemplo de Araraquara no começo do ano e de diversos países europeus. Mas “lockdown” não é uma palavra mágica que funciona só por ser anunciada. Sem adesão e respeito às medidas, elas são incapazes de surtir efeitos por si só.

Como tenho dito e escrito, a Prefeitura deveria ter criado condições para o cumprimento do lockdown. Além de reforçar a fiscalização, poderia ter subsidiado crédito e isentado impostos para pequenos comerciantes e empreendedores manterem os seus negócios e não tentarem infringir o decreto, colocando em risco a própria saúde, dos seus funcionários e consumidores. Ao mesmo tempo, com milhares de desempregados e famílias em situação de vulnerabilidade na cidade, o programa Renda Franca poderia ser expandido para atender mais pessoas. Essas medidas não são restritas ao período de lockdown. Ainda há tempo.

O grande risco é que, se o mal cumprimento do lockdown não surtir os efeitos esperados, isso leve a população a desconfiar ainda mais das medidas sanitárias e o prefeito volte a negar a medida mesmo se voltar a ser necessário. Espera-se que o confinamento ajude a desafogar o sistema de saúde municipal que conta com dezenas de pessoas na fila de espera por um leito de UTI, mas somente a vacina é capaz de nos tirar de vez dessa situação.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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