OPINIÃO

O governo não comprou vacina

Mas o que poderia ter sido feito para evitar o colapso na saúde, as centenas de mortes na cidade até agora e a necessidade de um lockdown? A vacinação em massa é a único método capaz de erradicar a ameaça do coronavírus.

Por Guilherme Cortez | 06/06/2021 | Tempo de leitura: 4 min
Especial para o GCN

Arquivo/GCN

Franca completou uma semana em lockdown, marcada por tentativas de reverter o confinamento na cidade. O caso mais emblemático foi a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que autorizou o funcionamento presencial das lojas da rede Savegnago na cidade – não só contribuindo para aglomerações que disseminam o vírus, mas também desrespeitando centenas de pequenos comerciantes que estão passando aperto para manter seus negócios através de delivery.

O lockdown, como já falamos aqui, não é uma medida fácil. De uma forma ou de outra, todas as pessoas da cidade são prejudicadas pelo isolamento social e fechamento das atividades não essenciais. De quem enfrenta dificuldades para fazer as compras até quem precisa transferir o ambiente de trabalho para dentro de casa, passando por quem fica impedido de trabalhar e empreendedores que arcam com prejuízos em seus negócios.

Por isso mesmo, é uma medida a ser tomada somente em situações de extrema necessidade – como é o caso de Franca. O sistema de saúde da cidade, que atende outras 22 da região, entrou em colapso total nas últimas semanas, com dezenas de pessoas esperando na fila por um leito de UTI e recordes diários de mortes por covid-19. A curto prazo, o lockdown é a única alternativa para reverter esse cenário.

Mas o que poderia ter sido feito para evitar o colapso na saúde, as centenas de mortes na cidade até agora e a necessidade de um lockdown?

A vacinação em massa é a único método capaz de erradicar a ameaça do coronavírus. O uso de máscaras, álcool em gel e a manutenção do distanciamento social reduzem a disseminação e, consequentemente, o risco de contaminação, mas somente a vacina derruba a letalidade do vírus. Quem demonstra isso é a cidade de Serrana que, a apenas 110km de Franca, viu seus índices de óbitos por covid caírem 95% depois de vacinar toda a população em parceria com o Instituto Butantan.

Por que então não vacinamos todo mundo de uma vez, para não precisarmos perder mais rostos conhecidos e as atividades poderem voltar a funcionar normalmente depois de mais de um ano de pandemia? Simples: porque o governo federal boicotou a aquisição de doses que poderiam evitar essa situação.

Desde o começo da pandemia, o presidente Jair Bolsonaro menosprezou sua gravidade e desdenhou das medidas sanitárias. Em um episódio emblemático, chamou a covid-19 (que já matou mais 450 mil pessoas no país todo) de “gripezinha” em rede nacional. Em recorrentes situações, participou e incentivou aglomerações, negligenciou o uso de máscaras e debochou das vidas que o coronavírus levou.

A atuação do presidente levou à abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado para investigar as ações do seu governo diante da pandemia. Enquanto a CPI segue ouvindo autoridades e especialistas, uma coisa já está comprovada: conscientemente, Bolsonaro recusou e ignorou diversas ofertas para aquisição de vacinas. Atitude bem diferente da registrada na semana passada, quando aceitou receber a Copa América em menos de 12 horas.

Até agora, já foi comprovado que o governo recusou 11 ofertas de fornecimento de vacinas: 6 da Coronavac produzida pelo Butantan, 3 da Pzifer e 2 do consórcio internacional Covax Facility. Só a oferta da Pzifer consistia em 70 milhões de doses que seriam entregues até dezembro do ano passado. A título de comparação: hoje, menos de 25 milhões de brasileiros tomaram as duas doses da vacina.

Bolsonaro e seus aliados ainda se empenharam por todos os meios em desacreditar a vacinação e estremecer as relações diplomáticas do Brasil com potenciais fornecedores de insumos para a produção de doses, como quando o presidente sugeriu que a vacina poderia transformar pessoas em “jacarés”, ao defender medicamentos sem eficácia como tratamento prioritário contra a covid e nas diversas ofensas proferidas contra a China por seus filhos e subordinados.

É difícil imaginar um governo que deliberadamente escolha deixar sua população desprotegida contra um vírus mortal. Mas, por incrível que pareça, foi o que aconteceu no Brasil. Não por outro motivo, a acusação de genocídio tem ganhado cada vez mais força contra o presidente. Afinal, seu governo agiu para incentivar que pessoas colocassem suas vidas em risco e se omitiu diante das possibilidades de evitar mais mortes. É difícil não pensar em quantos óbitos poderiam ser evitados se tivesse agido diferente e traçar um paralelo com as centenas de milhares de vidas perdidas em todo o país – algumas centenas delas em Franca.

A irresponsabilidade do presidente guarda ligação direta com cada novo rosto da cidade que vemos em preto e branco estampando o obituário, com cada dia que precisamos passar em lockdown ou vivendo sob medidas restritivas, com cada emprego perdido e negócio fechado por conta da pandemia. Tivesse agido diferente, poderíamos andar sem máscaras pelas ruas, frequentar comércios, festas e restaurantes sem medo e reencontrar, abraçar e beijar nossos familiares e amigos. Não é demais lembrar que, se estamos como estamos hoje, é porque o governo não comprou vacina.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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