ARTIGO

Ex-ministro Pazuello - Direito ao silêncio

A Comissão atropela todo o procedimento inerente a uma CPI, basta ver que não deixam o depoente responder, interrompendo-o a todo o momento quando a resposta não é a que querem, tentando induzir a testemunha

Por Toninho Menezes | 23/05/2021 | Tempo de leitura: 4 min
Especial para o GCN

Leopoldo Silva/Agência Senado

Na quarta-feira, 19 de maio, ocorrerá o depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, na Comissão que investiga a atuação do governo federal, dos governadores e prefeitos na pandemia da Covid-19, que esteve à frente do ministério por aproximadamente dez meses. Porém, diante dos fatos que estão ocorrendo nos depoimentos já realizados, a AGU – Advocacia-Geral da União impetrou pedido de Habeas Corpus em favor do ex-ministro, lastreado nos termos da Constituição Federal e argüições embasadas nas declarações de membros da Comissão através da imprensa, caracterizando antecipadamente um constrangimento ilegal, ameaças e afirmando que seriam utilizadas as mesmas práticas observadas em depoimentos anteriores, quando os depoentes foram instados a emitir opiniões e juízos de valor, inclusive com ameaça de prisão, o que é vedado pelos artigos 212 e 213 do Código de Processo Penal, que somente autoriza, em oitivas, relato sobre fatos que devam ser elucidados.

Apesar das discussões, o que ocorre é que a Comissão está colhendo o que plantou, pois no afã e na ânsia de criar argumentos contrários ao governo federal, visto que seus membros afirmam que não irão investigar governadores e prefeitos que também é o objeto da CPI aprovado pelos senadores, a Comissão atropela todo o procedimento inerente a uma CPI, basta ver que não deixam o depoente responder, interrompendo-o a todo o momento quando a resposta não é a que querem, tentando induzir a testemunha. Agora não adianta “espernear”, pois todos os depoentes convocados utilizarão dos mesmos meios, ou seja, o direito ao silêncio.

Como operador do direito na área pública, sabemos perfeitamente da relevância e das amplas prerrogativas das CPI’s como instrumento de fiscalização e controle da administração pública, porém, os membros das CPI’s têm que entender e aceitar que tais poderes não são absolutos, pois tem regras a respeitar, conforme vários julgados do próprio STF. Em síntese, os limites das CPI’s são os direitos e garantias fundamentais elencados na Constituição Federal, entre os quais destacamos: o direito de não ser preso senão em flagrante delito ou por ordem judicial devidamente fundamentada; o direito de permanecer calado, como garantia contra a autoincriminação, o chamado princípio da inocência, pois quem tem que provar é quem acusa; etc.

Até fins do século XVII, prevalecia o sistema inquisitivo (medieval), que mantinha a cultura de julgamentos dos tribunais de inquisição (eclesiásticos).

Os julgamentos naquele período negro da história da humanidade, para que se obtivesse a confissão eram autorizados todos os meios, principalmente a tortura e coações diversas, com o fim de que a resposta do acusado o incriminasse. Nada era baseado na racionalidade e simplesmente colocavam os cidadãos como objeto de prova do processo e não de sujeitos de direitos processuais.

Em contraste com o que ocorria na época medieval eclesiástica, atualmente no nosso planeta, na maioria dos países chamados democráticos, prevalece o chamado sistema misto, ou seja, há uma divisão pré-processual (investigação para coleta de evidências) e outra a parte processual, quando ocorre efetivamente o julgamento.

O Código de Processo Penal brasileiro foi criado em 1941, na vigência da ditadura do chamado Estado Novo, ou seja, em regime que não reconhecia os direitos dos cidadãos e, em contrapartida, concedia todo direito ao Estado. Resumidamente o CPP trouxe, em 1946, o artigo 186 que resumidamente dizia que o réu não estava obrigado a responder, porém o seu silêncio poderá ser interpretado como se culpado fosse. Porém a Constituição Federal de 1988 trouxe dentre os direitos fundamentais o princípio da inocência, que veio se aperfeiçoando em razão do Brasil ser signatário de Convenções internacionais de direitos humanos. Hoje, o texto alterado do CPP dispõe em seu artigo 186, parágrafo único, que “o silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa”.

Enfim, em nossa humilde opinião, os membros da CPI’s da Pandemia, opositores ao governo, literalmente “meteram os pés pelas mãos”, pois queiram ou não, quem olha com isenção ideológica, vê claramente que os interrogatórios dos depoentes até o momento não tiveram nenhum respeito para com as pessoas, não teve lealdade, pois por mais grave que tenha sido a conduta imputada, há que se ter no mínimo respeito ao princípio da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, dentre outros. Além do mais, os membros da CPI ao darem entrevistas e declarações de que já tem um juízo final definido macula todo o processo, pois estão pré julgando.

Dessa forma, acreditamos que muitos depoentes irão se utilizar do seu direito de permanecer calado e a CPI tomou um rumo muito difícil para seus trabalhos.

Enfim, no caso do silêncio do ex-ministro Pazuello, além de ter conseguido o habeas corpus, a comissão deveria saber que o mesmo já responde a uma investigação processual pelo mesmo objeto que integra o objeto da CPI e não precisavam sair falando suas decisões antecipadamente, muito antes do próprio depoimento.

 

toninhomenezes16@gmail.com

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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