ARTIGO

Quando chegará a hora?

Enquanto a CPI se desenrola no Senado, mais de 100 pedidos de impeachment do presidente esperam no fundo da gaveta do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira – um dos quais subscrito de Franca pelo Centro Acadêmico de Direito da UNESP em conjunto com outras entidades estudantis do país.

Por Guilherme Cortez | 02/05/2021 | Tempo de leitura: 4 min
Especial para o GCN

Marcelo Camargo/Agência Brasil

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e o presidente Jair Bolsonaro
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e o presidente Jair Bolsonaro

 

 
O Senado Federal instaurou na última semana uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a condução da pandemia pelo governo brasileiro. Com maioria de senadores independentes ou de oposição, a CPI tem sido vista como uma das maiores dores de cabeça do presidente Bolsonaro e seus aliados, que fizeram de tudo para barrar suas atividades. Em um apelo na sessão de instalação na terça-feira passada, o filho “Zero Um” do presidente, senador Flávio Bolsonaro, apontou os riscos de contaminação dos integrantes da CPI durante as sessões presenciais, ignorando que ele e sua família têm criticado o distanciamento social e outras medidas de prevenção à covid-19, como o uso de máscara, desde o começo da pandemia e que costumam provocar aglomerações entre seus apoiadores.

Dentre os temas que a CPI pretende se debruçar, destacam-se a negligência do governo em negociar a aquisição de doses e insumos para a produção de vacinas, o gasto de dinheiro público com medicamentos sem eficácia comprovada no tratamento da covid e as declarações do presidente e dos membros do seu governo minimizando a pandemia e os riscos do vírus.

Enquanto a CPI se desenrola no Senado, mais de 100 pedidos de impeachment do presidente esperam no fundo da gaveta do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira – um dos quais subscrito de Franca pelo Centro Acadêmico de Direito da UNESP em conjunto com outras entidades estudantis do país. Lira, aliado por conveniência do presidente, não parece ter interesse em dar andamento a qualquer desses pedidos. Mesmo seu antecessor, o deputado Rodrigo Maia, que rompeu relações e criticou diversas vezes o governo, se recusou a dar início a um processo de impeachment, alegando que esse tipo de turbulência em meio a uma pandemia traria consequências negativas para o país.

O impeachment é um procedimento importado dos Estados Unidos, que tem o poder de afastar do cargo um presidente da República, governador ou prefeito que não esteja cumprindo adequadamente suas funções. O Brasil já vivenciou o impeachment de dois presidentes dentre cinco eleitos desde a redemocratização do país. Em 1992, Fernando Collor de Mello foi retirado do cargo depois da revelação de diversos esquemas de corrupção envolvendo o presidente e na esteira de medidas impopulares como o confisco das cadernetas de poupança. Já em 2016, Dilma Rousseff foi destituída sob a acusação de praticar pedaladas fiscais e emitir créditos sem autorização do Poder Legislativo.

Como quem julga o impeachment de um presidente são os deputados e senadores, esse processo acaba sendo muito mais enviesado do que imparcial. Governos com forte base de apoio e acordos parlamentares conseguem evitar a saga do impeachment mesmo quando cometem irregularidades. Na contramão, governos com más relações com o Legislativo ficam mais expostos a processos como esse. O impeachment da ex-presidente Dilma, por exemplo, teve início quando seu governo rompeu relações com o então presidente da Câmara Eduardo Cunha, enquanto seu vice e sucessor Michel Temer conseguiu evitar processos semelhantes através das relações com parlamentares.

No mesmo ano em que Dilma foi afastada da Presidência, Franca também experimentou um processo de impeachment, mas com desfecho diferente. Naquele ano, o então prefeito Alexandre Ferreira, à época filiado ao PSDB, foi processado pelo seu envolvimento no escândalo dos falsos médicos. Eram necessários votos de 10 vereadores para afastar o prefeito. 9 votaram pela cassação e 6 se ausentaram ou votaram contra. Alexandre se manteve no cargo até o fim daquele mandato e, 4 anos depois, está de volta ao Paço Municipal.

Infelizmente, o resultado de um processo de impeachment depende muito mais das relações que o acusado mantém com os seus julgadores do que da comprovação de crimes. Isso faz com que autoridades criminosas possam se manter em seus cargos através de acordos, enquanto outras, inocentes, sejam destituídas pela falta dessas relações.

A CPI do Senado vai averiguar se Bolsonaro cometeu crimes durante sua gestão da pandemia. Depois de chamar a covid de “gripezinha”, tentar boicotar as medidas de isolamento e distanciamento social de todas as formas possíveis, desdenhar da vacina e oferecer medicamentos ineficientes, é difícil não responsabilizar o presidente pelo colapso da saúde do país, que ultrapassou a marca de 400 mil mortes pelo vírus.

Se forem comprovados crimes de responsabilidade relacionados à morte de 400 mil brasileiros e brasileiras, quando será hora de um impeachment? O que pode ser mais greve ou urgente do que isso? Qual consequência seria pior para o país do que a continuidade de um governo com essa ficha corrida? Agora, se comprovado e sequer isso for suficiente para afastar o presidente, o recado para a sociedade será de que a autoridade máxima do país pode cometer qualquer crime desde que tenha boas relações ou suborne seus pares.

Um péssimo exemplo para o país.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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