O país sufocado

Não só ainda não vencemos o vírus, como estamos perdendo de 7x1. Dia após dia, batemos recordes de mortes, enquanto mais brasileiros cruzam a linha da miséria extrema.

Por Guilherme Cortez | 04/04/2021 | Tempo de leitura: 3 min
Especial para o GCN

Nos despedimos do mês de março sem cerimônia e sem saudade. Um ano depois das primeiras medidas contra a pandemia de covid-19 no Brasil, parece que andamos para trás. Não só ainda não vencemos o vírus, como estamos perdendo de 7x1. Dia após dia, batemos recordes de mortes, enquanto mais brasileiros cruzam a linha da miséria extrema.

Como se não bastasse, essa semana foi marcada por mais conflitos e instabilidade na política nacional. Em dois dias, o Brasil viu seis trocas de ministros e autoridades do primeiro escalão do governo, além da demissão dos comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. Essa avalanche de mudanças deixou muita gente apreensiva e soou o alerta sobre as intenções do presidente Jair Bolsonaro.
 
Admirador confesso do regime militar desde que era um desconhecido deputado federal, Bolsonaro nunca escondeu seus desejos autoritários. Ao vivo e a cores em uma entrevista para o programa Câmara Aberta da TV Bandeirantes em 1999, falou sobre fuzilar um presidente, fechar o Congresso Nacional, iniciar uma guerra civil, matar “uns 30 mil”, defendeu a tortura e questionou a mudança pela via do voto. Quem imaginava que essas eram apenas excentricidades e que, uma vez presidente, Bolsonaro mudaria o tom, se decepcionou. Depois de várias alusões ao AI-5 (decreto mais duro da ditadura militar brasileira, que suspendeu o habeas corpus e direitos de opositores do regime, fechou o Congresso e instaurou a censura das artes e da imprensa), sua obsessão da vez é investigar adversários políticos através do Ministério da Justiça e aprovar um estado de sítio para intervir nos governos estaduais.
 
Mas com um ano de pandemia, mais de 300 mil mortes nas costas e uma crise econômica galopante, Bolsonaro não consegue mostrar a que veio para a maioria da população. Depois de minimizar o perigo do vírus e a necessidade de medidas sanitárias, como o distanciamento social e o uso de máscaras, seu governo boicotou e retardou a compra de insumos para vacinas. Na contramão, investiu em divulgar uma série de medicamentos comprovadamente sem eficácia contra o coronavírus, que apelidou de “tratamento precoce”. O resultado foi que o Brasil se tornou o epicentro da pandemia no mundo e o país com maior número de mortes e casos de covid-19 nas últimas semanas.
 
57 anos depois do golpe que instaurou uma violenta e corrupta ditadura no Brasil, um pequeno grupo se reuniu em frente à Prefeitura de Franca com bandeiras verde-amarelas e cartazes pedindo tratamento precoce contra a covid. Com gritos e discursos de apoio ao presidente, críticas ao governador João Doria e pedidos de intervenção militar, o grupo se dirigiu até o Tiro de Guerra, onde uma porção mais animada ensaiou flexões de braço. Pedindo a volta de um regime repressivo, criticaram a falta de liberdade imposta pelas medidas de combate ao coronavírus. A ausência mais sentida foi a da vereadora Lurdinha Granzotte (PSL), que, após participar de uma manifestação semelhante no começo do mês, sofreu duas representações no Conselho de Ética da Câmara.
 
Como um animal ferido, Bolsonaro ruge e mostra as garras para parecer forte e ameaçador, mas não passa de uma criatura acuada. Cada vez mais rejeitado e vendido para as raposas do Centrão no Congresso Nacional, nunca teve tão pouca força para satisfazer sua nostalgia ditatorial. Mas enquanto desvia a atenção para seus arroubos autoritários, deixa um rastro de desagregação e mortes marcado para sempre na história do país.
 
Bolsonaro costuma dizer que seu livro de cabeceira é “A Verdade Sufocada”, do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos mais notórios torturadores da ditadura militar brasileira, a quem já reverenciou em diversas ocasiões. Ustra morreu em 2015, 7 anos após ser o primeiro militar condenado pela prática de tortura durante a ditadura. Não sei quais lições o presidente tirou desse livro, mas, com dezenas de milhares de brasileiros nos leitos de UTIs, nos sentimos todos sufocados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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