Como chegamos até aqui?

A antecipação de Franca viria a retardar o avanço do vírus na cidade por alguns meses. Enquanto nossos vizinhos em Ribeirão já sofriam com a calamidade no sistema de saúde, nós atravessemos os meses de março, abril e maio com os números de casos relativamente controlados. Aí as coisas começaram a desandar.

Por Guilherme Cortez | 28/03/2021 | Tempo de leitura: 3 min
Especial para o GCN

No começo do mês de março do ano passado, ninguém poderia imaginar o que iríamos viver em tão poucos dias. O coronavírus parecia uma enfermidade exótica, muito distante da nossa realidade, que não despertava interesse suficiente para impactar nossas vidas. Estávamos tristemente errados.

Lembro que precisei viajar para São Paulo na sexta-feira antes do início da quarentena. Me despedi dos meus colegas de faculdade e de estágio com um “até segunda” que nunca chegaria. No domingo, as aulas foram suspensas. Na quinta-feira seguinte, dia 19, a Prefeitura de Franca emitiu o primeiro decreto restringindo as atividades na cidade para conter a disseminação do vírus. 5 dias depois, o governador adotou a quarentena em todo o estado.

A antecipação de Franca viria a retardar o avanço do vírus na cidade por alguns meses. Enquanto nossos vizinhos em Ribeirão já sofriam com a calamidade no sistema de saúde, nós atravessemos os meses de março, abril e maio com os números de casos relativamente controlados. Aí as coisas começaram a desandar.

Depois de três anos de uma gestão pouco promissora, o então prefeito Gilson de Souza se preparava para disputar a reeleição. Pressionado para retomar as atividades, Gilson flexibilizou a quarentena sem qualquer planejamento e entrou na briga com a Justiça e com o governo do estado para que mais atividades pudessem ser autorizadas a funcionar durante a pandemia. O resultado foi a explosão dos casos de covid-19 entre os meses de junho e setembro. Durante algumas semanas, a região de Franca se tornou um dos epicentros da pandemia em todo o estado.

Quando o ano virou, parecia que estávamos caminhando para nos livrar dessa situação. Não foi o que aconteceu. Nos primeiros dias do ano, com algumas pessoas ainda voltando das festas de fim de ano, assistimos horrorizados à crise do sistema de saúde de Manaus. A aprovação da vacina do Instituto Butatan e o início da vacinação dos grupos prioritários recobrou nossas esperanças, mas fomos surpreendidos pela escassez de insumos para a produção de doses. Ao invés de negociar a compra, o governo federal passou o último ano entrando em provocações diplomáticas com os países que podiam ser nossos fornecedores.

Voltamos a março. As primeiras medidas de combate à pandemia e o “susto” inicial que manteve muita gente em casa nas primeiras semanas completaram um ano. Quando imaginávamos que a pandemia já não passaria de uma história traumática e de uma triste marca para milhares de famílias que perderam seus entes mais queridos, estamos vivendo seu pior momento até agora.

Depois de algumas semanas brigando com a realidade e esbravejando contra as medidas restritivas, o prefeito Alexandre Ferreira mudou o tom, tem dito que a situação da saúde na cidade é preocupante e intensificou as ações de fiscalização da Prefeitura. Enquanto isso, o Conselho de Ética da Câmara recebeu duas representações por quebra de decoro parlamentar contra uma vereadora que, em meio a situação que a cidade e o país estão vivendo, participou de uma manifestação presencial pedindo – acredite se quiser – intervenção militar no Congresso Nacional!

Chegamos até aqui exaustos, feridos e perdidos. Nenhum de nós tinha se preparado para viver uma tragédia dessa dimensão. Enquanto somos empurrados para uma disputa entre “quem quer trabalhar” e “quem quer viver” – ignorando que ninguém consegue trabalhar depois de morto e pouca gente tem condições para viver sem trabalhar – não garantimos nem condições para a população se proteger de um vírus cada vez mais perigoso, nem auxílio para quem está em situação de vulnerabilidade nesse momento. E fica cada vez mais difícil enxergar a luz no final do túnel.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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