Faz muito tempo que aconteceu. Coincidência incrível, por duas vezes no espaço de décadas encontrei o mesmo texto, em locais semelhantes, fisicamente distantes. Sem costume de frequentar igrejas, passeando em Nova York pela primeira vez e há muito tempo, entrei na Igreja de São José, atraída pelo nome do santo padroeiro. Nasci num 19 de março, dia que lhe é dedicado, natural que quisesse, ao menos, conhecer o espaço e aproveitar a sugestão turística. Há duas igrejas naquela cidade que levam seu nome. Uma fica em Greenwich Village, bem simples; a outra no bairro de Yorkville, no Upper East Side, que apenas vislumbrei de dentro do ônibus de turismo. Ambas católicas, ambas em Manhattan. Entrei na de Greenwich, menos opulenta, mas igualmente encantadora. Turista, máquina fotográfica e bolsa a tiracolo – não existia celular – sentei num banco, fiquei quietinha. Não se ouvia qualquer ruído. Meu olhar foi atraído para pequeno pacote no banco da frente, enrolado como mini papiro. Alguém o perdera, ou deixara ali. Entendi como presente de São José para mim. Peguei e abri, não sem antes agradecer com devoção. Estava impresso texto chamado Desiderata, escrito por monge anônimo – a informação estava em letras bem miúdas – no ano de 1692 e encontrado, duzentos anos depois, num banco de igreja em Baltimore. Eu me lembrava vagamente do poema, porque o movimento hippie dos anos sessenta o tornou particularmente conhecido: trazia sábios e profundos conselhos e idéias que me fascinaram desde tantos anos passados. Tudo folclore. Na verdade o poema Desiderata, palavra que vem do latim e significa “coisas que são desejadas” foi escrito por Max Ehrman e só se tornou conhecido quando a esposa do filósofo e advogado publicou postumamente seus poemas. Ao se popularizar, o nome do autor foi omitido. O texto chegou às mãos de pastor em Maryland que, ao editar edição especial de Natal, escolheu vários textos, entre os quais estava o Desiderata. Quem sabe para valorizá-lo, já que desconhecia a autoria, acrescentou a legenda “Igreja de Saint Paul, 1692”. Publicado, a informação se generalizou. Hoje já foi traduzido para mais de setenta idiomas, dizem. Em algum momento, acredito, todos nós, que gostamos de palavras, lemos essa Desiderata. Amigo de longa data, quando falávamos sobre coincidências, comentou que lhe parecia alguma espécie de feitiço o que me aconteceu anos depois daquela descoberta na igreja, do texto que me fascinou. Pois bem, foi igualmente numa igreja, muito pequena, no interior da Inglaterra, também numa primeira viagem, igualmente de reconhecimento e turismo. Construção muito antiga, erguida há séculos – prova disso era o sistema de calefação, que a região é muito fria: poço onde jogavam lenha, coberto por grade também de ferro. Sistema descômodo para os fiéis, imagino. Naquele interior escuro, meio tétrico, imagino que palco de milhões de acontecimentos, sobre banco de madeira à minha frente, encontro pedaço de papel dobrado em quatro, talvez esquecido, quem sabe? Abri, bastante ressabiada. Esperava encontrar bilhete de amor, talvez de fidelidade à religião, sugestão de turismo pela região, quem sabe? Algum endereço... Mas não. No papel, encontro reprodução da Desiderata. Algumas palavras diferentes, mas igualmente atribuídas a monge anônimo, encontradas na “Igreja de Saint Paul”, no ano de 1692. Coincidência, ou meu Anjo da Guarda acha que preciso ouvir sempre ouvir, para cumprir as orientações?
“Ande calmamente entre a inquietude e a pressa e lembre-se da paz que existe no silêncio. Tanto quanto possível, sem humilhar-se, viva em harmonia com todos que o cercam. Fale a sua verdade, mansa e calmamente e ouça a dos outros, mesmo a dos insensatos e ignorantes – eles também têm a sua história.
Evite as pessoas agressivas e ruidosas: elas afligem nosso espírito. Se você se comparar com os outros, você poderá tornar-se presunçoso ou magoado: sempre haverá alguém inferior ou superior a você. Viva intensamente o que você puder realizar.
Mantenha-se interessado no seu trabalho. Ainda que humilde ele é o que de real existe ao longo de todo tempo. Mas seja cauteloso nos negócios, porque o mundo está cheio de astúcia e não caia na descrença: a virtude existirá sempre.
Você é filho do Universo, irmão das estrelas e das árvores. Você merece estar aqui e, mesmo que não perceba, a Terra e o Universo vão cumprindo seu destino. Muita gente luta por altos ideais e por toda parte a vida está cheia de heroísmos.
Seja autêntico. Não simule afeição, nem seja descrente do amor porque, mesmo diante de tanta aridez e desencanto, ele é tão perene quanto a relva. Aceite com carinho o conselho dos mais velhos e saiba abrir mão dos impulsos da juventude. Alimente a força do Espírito que o protegerá no infortúnio inesperado, mas não se desespere com perigos imaginários: muitos temores nascem do cansaço e da solidão.
Mantenha disciplina rigorosa, mas seja gentil para consigo mesmo. Esteja em paz com Deus, como quer que você O conceba. Quaisquer que sejam seus trabalhos e aspirações, na fatigante jornada da vida mantenha-se em paz com sua própria alma. Acima da falsidade, desencantos e agruras, o mundo ainda é um lugar bonito. Seja prudente.
Esforce-se para ser feliz.”
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