Genoveva

Por Lúcia Brigagão | Especial para o GCN
| Tempo de leitura: 4 min

Era para ser história infantil que crianças italianas ouviam contadas pelas avós, com certeza, e pelas mães que nos anos 80 ainda tinham tempo para tais amenidades. Passou o tempo e, embora procurasse o livro, jamais o encontrei como objeto material, sequer sua versão digitalizada. Nem aqui, nem na Itália, nem na Internet, nem nas grandes livrarias das cidades por onde passei. Nem aqui, nem na China. Aquela cópia que o terapeuta me mostrou na época, parece-me única, coisa inventada. Certeza, era Genoveva, o nome da tartaruga, personagem central da história. Tentarei reproduzi-la, dando meus pitacos. Afinal quem conta um conto, aumenta um ponto...

Diz que havia um lago, num canto da floresta, perto do mar, abaixo das montanhas. Viviam por ali centenas de aves, peixes, batráquios, répteis aos montes, entre os quais Genoveva – a tartaruguinha - e sua família. Pedras imensas ofereciam espaços para os bichos construírem suas habitações. Corredeiras traziam alimentos para os pequenos bichos; árvores ofereciam abrigo. Viviam todos em harmonia e tranquilidade.

Nem todos. Genoveva conseguia subir as encostas e olhava longe. Via luzes mais brilhantes que as dos vagalumes e que estranhamente se moviam, ou acendiam e apagavam. Percebia estranhas aglomerações de pedras que a coruja sabida chamava de edifícios. E um dia, ela sonhou sair da lagoa e ir até lá, bem longe para desvendar aquele mundo desconhecido. Foi um escândalo! A mãe chorou, perguntando “onde tinha errado?”. O pai ficou dias sem sair do casco. As irmãs não falaram com ela durante semanas, punindo-a, como se ela tivesse pecado. Foi quando Genoveva ganhou dos pais o par de brincos de rubi, lindos e brilhantes, para ela apagar, disseram eles, aquelas idéias malucas da cabeça. Genoveva pôs a caixinha de brincos sobre o casco, e continuou a viver. Tempos depois, ela se apaixonou por um jabuti cujo nome Hércules, lembrava força, intrepidez, coragem, bravura e arrojo. Genoveva lhe falava de seus sonhos de ganhar o mundo, Hércules concordava. Ela fazia planos de ir com ele conhecer o derredor da lagoa; o outro lado, que fosse; ir até mais longe, perto da praia; experimentar a sombra dos coqueiros lá em baixo. Ele concordava mas, infelizmente, aquele não era o momento propício. E a presenteava, prometendo-

lhe satisfazer, assim que desse, espere só para ver! o sonho de conhecer o mundo. Ela lhe mostrava o postal da montanha coberta de neve, ele lhe dava uma geladeira e a punha sobre o casco dela. Ela sentia frio, pedia final de semana na praia, ele lhe dava um barco e o punha sobre o casco, ao lado do barco. Ela tinha vontade de conhecer circo, ele lhe trazia dvds, aparelhagem de som de última geração, telão, poltronas confortáveis, sala aconchegante, pipoca e guaraná – e Genoveva colocava tudo sobre o casco, que a cada dia ficava mais pesado. Ela mostrava a Hércules a reportagem da revista elogiando a beleza da nova coleção de grandes costureiros, no mesmo dia ele trazia imenso baú cheio daquelas novidades. E o colocava sobre o abarrotado casco de Genoveva. Vizinhos e parentes não entendiam a tristeza de Genoveva – seu marido era pródigo e mão aberta. Ela era considerada mal-agradecida por vizinhos e parentes. Ninguém conseguia entender ou justificar a evidente depressão daquela ingrata que tinha jóias, móveis, livros, roupas, sapatos, casa confortável, vida nababesca e ... só chorava.

Um dia, Genoveva percebeu que não conseguia mais andar. Não tinha forças para trocar um passo. Não conseguia mais carregar seus bens, suas jóias, seus livros, discos, porcelanas, tapetes, cristais. Suas forças minguavam e ela perdia constantemente o equilíbrio. Nada a fazia sorrir e o mínimo esforço era penoso. Foi quando ela decidiu “Eu vou mandar na minha vida!”. Parou, respirou fundo. Determinada, com muito esforço, embora sofrendo dores intensas, procurou aos poucos desvencilhar-se dos bens acumulados durante tanto tempo sobre seu casco. Com coragem, temendo ser desajeitada e derrubar tudo numa manobra infeliz, mesmo suando pelo excesso de diligência, lentamente foi-se percebendo livre. E começou a respirar mais profundamente. De repente viu-se livre e, mesmo nua, sentiu-se coberta por capa poderosa e protetora. Ao dar um passo, quase voou de tão leve. Genoveva não olhou para trás. Desceu decidida a encosta da montanha em direção ao mar.

Dizem que, tempos depois, foi vista no Havaí. Bronzeada e feliz, ouvindo ukelele..

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