Nós nos conhecíamos de longa data. Nosso primeiro encontro profissional que daria início ao livro que pretendia contar episódios de sua vida, foi em minha casa, num fim de tarde, de uma distante quinta-feira. Era para nos aproximarmos, ganharmos confiança, conversarmos sobre a vida dela. Ela chegou, tocou a campainha, entrou ressabiada. Achei curioso. Embora mulher e profissional cuja vida eu acompanhava desde sempre, temida por uns, avaliada e atacada por outros, de aparência frágil e titubeante no andar subiu a escada de muitos degraus até com desenvoltura, entrou, passou pelo corredor, sentou-se ao meu lado. O gravador já estava ligado, colocado de forma discreta, meio camuflado entre livros e cadernos sobre a mesa. Foi cumprimentada por minhas secretárias, que se aproximaram dela, como o fariam diante de qualquer celebridade. Ofereceram-lhe café, água, sem que eu pedisse. Disseram-lhe ser suas fãs, que a acompanhavam pelo rádio e pela televisão. Ela sorriu, envaidecida. Aliás, ao longo do tempo, percebi que tais manifestações calorosas e sinceras de gente simples lhes eram muito mais bem-vindas e preciosas que muitas coroas e louros recebidos da realeza que a cercava. Também ao longo do tempo, fui conhecendo e reconhecendo vindos dela gestos que sinalizavam agrado, desagrado, impaciência, desconfiança, inquietação e aflição, no convívio com as pessoas. Ela ficava cada vez mais transparente, à medida que me contava suas lembranças, dores, alegrias, frustrações, esperanças, carências, amores. Convivemos durante dois anos, naquele canto da mesa, que ela chamava de confessionário. E me alertava: “Isso não é para ser publicado! É só para você me conhecer melhor!” Disse-lhe que, pelo andar da carruagem, eu não escreveria livro algum: que havia muito mais material para biografia não autorizada, o que não era meu propósito. E ela depositou nas minhas mãos a responsabilidade pela escolha do material. Nascia ali o pacto de respeito mútuo, que se tornou a marca do nosso relacionamento. Abriu-me o coração, falou de suas frustrações, dores, raivas, revelou-me sua impotência, ela que era tida como “toda-poderosa” diante de muitos olhares. Disse saber quem gostava dela, de fato. Como pressentia o fingimento de muitos que se acercavam dela apenas em busca de notoriedade. Abraçou-me, no nosso último encontro de pesquisa. Com espontaneidade e carinho.
Tivemos momentos sensacionais, durante aquele tempo. Enviei-lhe bilhete pedindo que ela precisasse o tempo de trabalho nas diferentes emissoras de rádio pelas quais passou. Elenquei as emissoras, coloquei reticências para ela preencher. Ela me devolveu o papel com as anotações. Na frente da primeira, ela escreveu “uns cinco anos”. Na seguinte, também depois das reticências, “uns oito anos”. Na terceira, “uns quatro anos”... Na última, determinou: “pergunte para o Luiz Netto”. Guardei o bilhete numa pasta especial entre outras recordações daquele trabalho, porque achei sensacional a resposta. Identifiquei a pasta como “Coisas dela”.
Desde aquele tempo iniciamos conversas pelo telefone. Se deletei as de muitas outras, as dela estão arquivadas. No começo da semana, cumprem expectativa, bons augúrios e esperança. Durante a semana, relatos de trabalho, uma ou outra mensagem de caráter amoroso, de estímulo profissional e até religioso. Aprendeu a abrir meus áudios de música, descobriu Hauser, o violocenlista, que se tornou nossa paixão mútua. Enviou-me recentemente fotos e até o ultrassom da Flora, a quinta bisneta, que chegará em novembro, “se Deus quiser!” ela diz.
Vivemos história linda, até agora. Tenho muitos outros momentos para relembrar - tristes alguns, a maioria alegres - mas no momento, as forças estão voltadas para pedir que “N. Sra Aparecidinha” zele por sua saúde e recuperação. Força, Querida!
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