"No distante ano de 1931, nascia nossa mãe Liliana Junqueira Villela. Ostentando nome pomposo e filha de tradicional família de Franca, nasceu em uma época quase que totalmente apagada de nossas memórias. O cinema era insipiente e em preto e branco. A quebra da bolsa de valores de Nova Iorque acontecera apenas dois anos antes e a segunda guerra mundial ainda demoraria vários anos para eclodir.
Não temos certeza, mas parece que não havia geladeira, televisor, chuveiro elétrico e outros confortos básicos de que dispomos hoje. Dizem que só pessoas muito ricas possuíam automóveis. Nem mencionaremos a inexistência de luxos atuais que, até duas décadas, nem mesmo nós possuíamos.
Por outro lado, parece ter sido um tempo mágico, em que as pessoas se respeitavam, tinham educação e circulavam elegantemente pela cidade vestindo suas melhores roupas. Um tempo de carência material e abundância moral. Estranho paradoxo, comparado com os dias de hoje.
Nossa mãe, apesar de ser “daquele tempo”, admirava modernidades que ela só conheceu porque chegou à idade bem avançada: shopping centers, tv a cabo, controle remoto, fogão com acendimento automático, carros confortáveis etc. Verdade que, mesmo sabendo da existência de computadores, celulares, internet e cartões de crédito, jamais conseguiu aprender a mexer com isso. As gerações mais antigas têm um bloqueio natural para o aprendizado dessas coisas.
Contudo, tivemos o privilégio de aprender muito com nossa querida mãe e agradecemos a oportunidade de tê-la presente mesmo já velhinha e debilitada, curvada sob o peso do próprio corpo. Confesso que às vezes queríamos vê-la aliviada de tanto sofrimento relacionado à limitação motora, à dificuldade para compreender as coisas e à dependência de tudo e de todos. Hoje sabemos, porém, que cada um de nós tem sua hora e não adianta querermos adiantar ou atrasar as coisas, porque tudo se encaixa num contexto divino que nos propicia (ou deveria propiciar) o entendimento de nossas existências.
Sabemos que você sofreu muito por haver nascido na “sua época”. Afinal, você nem chegou a conhecer sua mãe, que faleceu no seu parto porque os antibióticos ainda não haviam sido inventados. Mas que bom que você também conseguiu viver grande parte de sua vida em “nossa época”, pois tivemos a oportunidade de lhe proporcionar bons médicos, remédios e equipamentos hospitalares modernos. Tudo do bom e do melhor, como você sempre mereceu.
A você mãezinha querida, obrigado por tudo que fez por nós ao longo de sua vida. Sabemos que não foi fácil para você, com as adversidades do passado e suas limitações pessoais, ter-nos criado, educado e nos transformado nas pessoas que somos hoje. Crescemos com você sempre se referindo ao seu pai como “meu paizinho”, alguém que, infelizmente, não tivemos a oportunidade de conhecer. Encontre-o, mate suas saudades e, finalmente, após 89 anos, aconchegue-se no colo de sua mãe.
Quanto a nós, esperamos poder viver com sua retidão de caráter e seus princípios. Temos certeza de que um dia nos reencontraremos e também seremos afagados carinhosamente por suas mãos.
Com todo o amor de seus filhos,
Sílvio e Ricardo Gera
Fale com o GCN/Sampi!
Tem alguma sugestão de pauta ou quer apontar uma correção?
Clique aqui e fale com nossos repórteres.