Era apresentar nova pessoa a ele, identificá-la como “amigo” ou “amiga” papai nos chamava de lado e perguntava baixinho: “Como assim, amigo?”. Explicava que estávamos na mesma classe, ele dizia “Colega, não amigo”. Que nos encontrávamos amiúde nos local de badalação jovem, ele completava: “Conhecido, não amigo”. Que frequentávamos as mesmas reuniões políticas, ele apunha “Aliado, não amigo”. Que participávamos de grupos de estudos, ele nominava “Companheiro, não amigo”. Amigo é coisa de sangue, dizia - talvez em referência às cenas dos filmes de cowboy, seus prediletos, onde o branco e o índio amiúde trocavam sangue iluminados pela fogueira, após conveniente e fundamental corte de faca no pulso. Amizade tem origem e desenvolvimento misteriosos, explicava. Não supõe conivência de opinão; prescinde de proximidade física. Tem por base a confiança mútua, o prazer da proximidade física; não exige afinidade de pensamento, esmiuçava para completar. Dois amigos podem discordar em todos os pontos de vista sobre quaisquer ou quase todos os assuntos, mas o Amigo respeitará sua opinião e, mesmo que discorde de você, garantirá que você mantenha suas convicções. Jamais lhe cobrará concordância, no máximo lhe pedirá para repensar suas crenças. E continuará sendo seu amigo, pelo tempo afora.
Por esta perspetiva hoje, apesar do desejo de ter milhões de amigos, não posso garantir que contabilize sequer meia centena. Atualmente para dar ao sentimento o nome de amizade, é preciso concordar totalmente com o outro, pensar igual, sem chance de mostrar, ou revelar, ou supor que haja outro lado da moeda. Não há mais prazer na troca de idéias: ou você aceita as do outro sem discutir, ou estará negando seu afeto. Os relacionamentos estão se tornando, cada vez mais, chatos e puerís. Prospecção e descoberta do nível de amizade entre você e quem o cerca? Seu sucesso. Maior o reconhecimento que lhe seja devido por seus méritos – profissionais, pessoais, sociais ou amorosos - menor o afeto que lhe dedicam os invejosos de plantão... Igualmente imensas as chances de os despeitados acharem defeitos em você, de considerarem-no crivado de falhas, avarias, deformidades, imperfeições e pústulas morais. Nesse aspecto, sejamos honestos, são soberanas as mulheres que morrem de inveja de outras. Parece que o reconhecimento de algumas são ofensas pessoais para outras. Afe!
“Amigo, meu pai afirmou um dia, é dinheiro no bolso.” Não saberia dizer como ou porquê chegou a tão amarga conclusão. Embora algumas vezes nas situações do cotidiano fique tentada a concordar com ele, ainda acredito na amizade. Ando meio descrente. No 20 de Julho, Dia do Amigo na Argentina, Brasil e Uruguai lembrei-me especialmente de pessoas que me cercam e fazem diferença no meu cotidiano. Sou especialmente grata a quem me critica, para me ver crescer; em quem me reconhece como criatura e não como criadora; em quem me enxerga, não apenas me vê; em quem acredita em mim, vê meus defeitos e me perdoa: esses são meus amigos.
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