Weintraub, o frouxo

O ministro que xinga todos nas redes sociais e em reuniões ministeriais não teve coragem para repetir tudo diante de uma autoridade policial

31/05/2020 | Tempo de leitura: 6 min

“A democracia não é apenas a lei da maioria, é a lei da maioria respeitando o direito das minorias”
Clement Attlee, ex-primeiro-ministro britânico
 
 
 
Não é de hoje que o ministro da Falta de Educação, Abraham Weintraub, choca o país. Absoluto desconhecido do grande público na era pré-Bolsonaro, chegou ao governo federal a convite do então ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que fez dele seu secretário-executivo. Foi catapultado ao comando da pasta da Educação em abril do ano passado, indicado pelo presidente para suceder a Ricardo Velez, colombiano que teve passagem tão relâmpago quanto catastrófica pelo primeiro escalão do governo federal.
 
Foi um clássico exemplo de um caso onde a emenda ficou pior, muito pior, do que o soneto. Se Velez era ruim, faltam adjetivos adequados para definir o desempenho de Weintraub no comando da Educação. A começar, da falta de atributos e qualificações para “a missão”, para ficar num jargão caro ao bolsonarismo. Weintraub é economista e com sólida experiência profissional em bancos. É isso. Toda sua formação, teórica e prática, é no setor financeiro. Deu aulas, é verdade, mas na mesma área. Não é um educador. Não é um estudioso do tema. Não é um pesquisador sobre a área que deveria ser a prioridade de qualquer presidente. Mas ainda assim, tornou-se ministro da Educação. E, desde o instante seguinte, uma tragédia.
 
Nestes quatorze meses como ministro, Weintraub acumula fiascos. Logo de cara, ainda em abril do ano passado, defendeu que alunos filmassem professores durante as aulas para exercer uma espécie de “controle externo” sobre eventuais desvios ideológicos “cometidos” por mestres espalhados por todo o país. 
 
Logo depois, em junho, quando um oficial da aeronáutica que integrava a comitiva do presidente Bolsonaro numa viagem à Europa foi preso acusado de tráfico de drogas, Weintraub resolveu tratar o caso, seríssimo, como piada, numa postagem no Twitter. Disse o ministro: “no passado o avião presidencial já transportou drogas em maior quantidade. Alguém sabe o peso do Lula ou da Dilma”, provocou.
 
Chegou agosto. O mundo olhava para o Brasil com desconfiança em relação aos esforços – ou a falta deles – no combate aos incêndios florestais que consumiam vastas porções da Amazônia. Bolsonaro trocava farpas com Emmanuel Macron, o presidente francês. Weintraub, que nada tem a ver com a área de meio ambiente e, muito menos, com as relações exteriores, resolveu meter a colher. “(O presidente Macron é) apenas um calhorda oportunista buscando apoio do lobby agrícola francês”, disse. Completou sua “análise” classificando o presidente francês como “sem caráter”.
 
Em outubro, durante uma conferência de lideranças conservadoras do Brasil, comparou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao vírus da Aids. No sofisticado raciocínio de Weintraub, a “culpa” por Lula e Dilma terem chegado à presidência era de FHC, que teria progressivamente destruído um corpo saudável (o Brasil) e permitido que a “esquerda” assumisse o poder. 
 
Delirante, em novembro do ano passado o ministro comparou as universidades federais brasileiras a madraças, as escolas muçulmanas espalhadas por países árabes onde são forjados radicais islâmicos, especialmente os homens-bomba. Disse, ainda, que haveria plantações de maconha em larga escala dentro dos campi das universidades e que seus laboratórios seriam usados para a produção de meta-anfetaminas.
 
Com a eclosão da pandemia do coronavírus, Weintraub mirou sua artilharia contra a China, a quem passou a atacar – e responsabilizar – pelo vírus. Alucinado, disse que a pandemia era um plano chinês para dominar o mundo. E, sem menor respeito ao decoro do cargo que – ainda – ocupa, fez piada nas redes sociais, usando o personagem Cebolinha para ridicularizar o sotaque dos chineses que falam português. 
 
Imbecilidades à parte derivadas de sua mente evidentemente perturbada, Weintraub ainda colecionou inúmeros problemas, bastante concretos, na realização do Enem e do Sisu 2019/2020, que havia prometido serem os “melhores da história”. Houve falência da gráfica contratada para imprimir os testes, vazamento de imagens da prova antes do encerramento, problemas e falhas na correção, nos sistemas de inscrição, e por aí vai... Confrontado com o fracasso, Weintraub passou a fazer coro com o presidente e dizer que houve “sabotagem”. Em bolsonarês, costuma ser sinônimo para incompetência.
 
Os erros ortográficos que costuma cometer nas postagens que faz nas redes sociais poderiam até ter relevância menor, não fosse seu autor exatamente o responsável pela Educação. E foi Weintraub quem escreveu, ao longo dos últimos 14 meses, barbaridades como “paralização” (paralisação); “suspenção” (suspensão); Kafta (escreveu o nome do prato árabe, quando queria se referir ao escritor Franz Kafka); “acepipes” (tascou no lugar de “asseclas”, numa referência aos seguidores do PT); “imprecionante”(impressionante). A lista é maior, mas ficamos por aqui. É suficiente para demonstrar que o raciocínio do ministro certamente tem a mesma profundidade de seu domínio do idioma.
 
Mas nada, nem remotamente, se compara às bravatas que vaticinou na reunião do Conselho de Ministros do último dia 22 de abril, tornadas públicas após as denúncias do ex-ministro Sérgio Moro. Na já histórica reunião, Weintraub perpetra ataques contra muita gente. Índios, ciganos, oposição, China, congressistas e ministros do Supremo Tribunal Federal, todos alvos de sua verborragia. É importante destacar que Weintraub não faz apenas críticas – ele ofende, insinua práticas ilícitas e desqualifica. Vale também registrar que Weintraub não estava na sua casa, num desabafo familiar, nem num boteco, com amigos. Era uma reunião de Estado. 
 
“Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF”, esbravejou. “Isso é um absurdo o que tá acontecendo aqui no Brasil. A gente tá conversando com quem a gente tinha que lutar”, atacou, num outro momento. “Eu sou, evidentemente, eu tô no grupo de ministros que tá mais ligado com a militância. Evidente, porque eu era um militante. Eu tava militando de peito aberto, continuo militando”, afirmou.
 
Não foi contestado por ninguém. Não houve ali uma única alma capaz de lembrá-lo do que significa xingar ministros do STF de “vagabundos” nem da seriedade que implica ameaçá-los de prisão. Nenhum dos presentes lembrou ao ministro que na função pública que ocupa, ela deveria ser militante apenas do Brasil, e não de grupelhos políticos. Ou de que quem governa deve buscar, sempre, a construção de consensos, e não flertar dia e noite com a ruptura institucional. Todos fizeram ouvidos moucos para as falácias de Weintraub. Inclusive, além do próprio presidente Bolsonaro, também o delator Sérgio Moro.
 
Tenho repetido, ao longo de muitos meses, que os radicais bolsonaristas, dos quais Weintraub é exemplo clássico, só são corajosas quando estão em grupo – ou, por detrás das telas confortáveis que permitem acesso às redes sociais. Nestes contextos, costumam ser “valentões”. Mas sem uma turba para apoiá-los, ou diante de delegados, promotores de Justiça, juízes, mudam drasticamente. Fingem demência, insistem que não quiseram dizer o que disseram ou, no limite, simplesmente ficam em obsequioso silêncio.
 
Foi exatamente o que fez o “valentão” Abraham Weintraub. Depois de insinuar que se recusaria a depor e ser apoiado por Bolsonaro, que chegou a dizer que “ordem absurda não se cumpre”, refugou. Depôs na última sexta-feira. 
 
Diante do delegado da Polícia Federal, poderia ter tido a decência de confirmar o que já havia dito – e está gravado. Ninguém poderia, pelo menos, confundi-lo com um covarde. Tinha a chance de aproveitar para lamentar e se desculpar. Mas Weintraub ficou quieto. Em silêncio. O ministro que xinga todo mundo nas redes sociais e em reuniões ministeriais não teve coragem para repetir tudo diante de uma autoridade policial. É bem típico. A valentia de Weintraub e sua turma é seletiva. Fora do bando – e das telas – desaparece. Mais frouxo, impossível.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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