“Quando odiamos alguém, odiamos em sua imagem algo que está dentro de nós”
Hermann Hesse, escritor alemão
Duvido que qualquer brasileiro, mesmo aqueles com acesso privilegiado aos mais altos escalões da República, pudesse imaginar, na manhã da última quinta-feira, que uma reunião aparentemente protocolar iniciada às 9h entre o presidente, Jair Bolsonaro, e seu ministro da Justiça, Sérgio Moro, se transformaria em poucas horas numa avalanche capaz de fazer tremer o país. Não que o clima fosse ameno e as preocupações naquele instante fossem irrelevantes.
A crise sanitária do coronavírus, que afeta o mundo inteiro, somada aos impactos econômicos, que têm castigado milhões de brasileiros, continuava canalizando todas as atenções. Nos dias anteriores, o clima havia ficado mais tenso com duas decisões do presidente: a primeira, demitir Luiz Mandetta, o competente ministro da Saúde. A segunda, sua participação num protesto, domingo, em Brasília, que pedia, entre outras coisas, o fechamento do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal, a volta do Ato Institucional Número 5 e uma intervenção militar que resultasse num golpe de Estado com a manutenção do próprio no poder.
Mas apesar do mundo em ebulição, naquela quinta-feira acontecia no Palácio do Planalto uma duríssima e tensa reunião entre o presidente e seu mais poderoso ministro. O presidente resolvera demitir o delegado geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, e comunicava então sua decisão, já ensaiada várias vezes, ao ministro. Bolsonaro avisara também que era ele quem escolheria o substituto, e não Moro. O ministro reagiu. Se assim fizesse o presidente, demitindo o delegado apenas para que fosse possível colocar no comando da Polícia Federal um “amigo” que ajudasse na manipulação de inquéritos sensíveis à família do presidente, ele deixaria o cargo. A reunião terminou sem consenso.
Não foram poucos os bombeiros acionados no entorno de ambos para tentar encontrar uma saída. Ministros palacianos, como são chamados aqueles que têm sala no Palácio e despacham perto do presidente, foram os primeiros a perceber a gravidade da situação. Correram logo para pedir ajuda aos generais que fazem parte do governo. O esforço era para encontrar uma saída que mantivesse a integridade de ambos: Moro aceitaria a demissão de Valeixo, mas escolheria seu substituto, alguém de sua confiança que preservaria a independência das operações da Polícia Federal. Doesse a quem doesse. O presidente rejeitou a alternativa.
Foi no início da tarde que o sol saiu por detrás da peneira. Se guardar segredo já é missão difícil em qualquer parte, manter algo escondido em Brasília é missão impossível. Logo os jornalistas que cobrem o palácio perceberam a gravidade do que acontecia e começaram a investigar. Não demorou mais do que um par de horas para que descobrissem que havia uma situação aparentemente intransponível e que Moro decidira pedir demissão. As agências de notícias distribuíram a informação, checada e confirmada por várias fontes. Inclusive, pelo entorno do próprio ministro. Portais do Brasil inteiro começaram a publicar os fatos. O GCN foi um deles.
Não foi preciso mais do que um minuto para que começassem a pipocar, como de hábito, comentários nas redes sociais do portal. A grande maioria deles não demonstrava preocupação com o fato em si. Também não faziam conjecturas sobre o que podia ter acontecido para justificar aquele estado de coisas. Simplesmente atacavam o portal.
“Passou essa vergonha no débito, crédito ou no boleto”, provocou vivi_2102. “Contrariando o sonho de vcs isso já foi desmentido... calma senão passa vergonha!”, atacou mmcds. “Cada vez mais fraco em gcn”, escreveu plveronez. “FakeNews... imprensa tupiniquim de 5ª categoria... kkkkkkk”, sentenciou, entre gargalhadas, 3ilm_log.
Com a elegância característica dos discípulos do “Mito”, Bruno-gs89 vomitou: “Gcn para de falar bosta. O Sérgio Moro acabou de postar no insta dele”. Na mesma linha de pensamento, se é que o termo se aplica, deboramariasilvaavelar, além de criticar, ainda quis ensinar o Pai Nosso ao vigário. “Acabaram de anunciar no Instagram oficial do Bolsonaro que esta notícia é falsa, vcs deveriam ter vergonha e averiguar se a notícia é verídica ou não estão tão desesperados por leitores”. O perfil de ricardocintram, outro adepto da sofisticação intelectual que marca o bolsonarismo radical, sapecou: “Notícia mentirosa do carai”.
Foram muitos comentários semelhantes. “Que feio vcs... isso é FAKE NEWS... E já foi desmentido haaaa hoooooooras... VCS SÃO A GLOBO DE FRANCA!!! JORNAL QUE NÃO PODEMOS CONFIAR”, asseverou danii_botelho. “Esse jornaleco não tá prestando pra nada mais... afff”, apelou Marciamsl1972. “É fake News, tem que checar antes de passar pra frente”, aconselhou marcelojordaoarquitetura. Menos prudente, silva_silviasouza concluiu: “Jornalzinho péssimo esse”. Com argumento praticamente idêntico, Lemes_tony vaticinou: “Jornalzinho fuleco é assim mesmo!”
O mesmo tipo de comportamento foi visto no Brasil inteiro, com bolsonaristas radicais destilando seu ódio contra qualquer veículo de comunicação que tivesse publicado a informação da iminente demissão do ministro. Quanto mais relevante o órgão de imprensa, mais duros e volumosos foram os ataques deflagrados pelas hordas bolsonaristas. Globo, Folha, Estadão, O Antagonista... Sobrou para todo mundo.
Obviamente, as horas mostrariam que os jornais, portais, rádios e emissoras de TV estavam certos. Sergio Moro não apenas se demitiu, como também fez um pronunciamento onde narrou, em detalhes, as razões para sua saída.
Todo mundo já sabe o que houve, mas nunca é demais reforçar: o presidente da República está preocupadíssimo com inquéritos em andamento na Polícia Federal que apuram quem está por trás da rede de Fake News que tomou conta do Brasil, criando notícias falsas e insuflando a rede de apoio ao presidente para sair atirando contra qualquer um que seja identificado como crítico de Jair. Foi exatamente o que fizeram muitos leitores do portal na tarde e noite de quinta-feira. Tudo feito, originalmente, a partir do Palácio do Planalto, e com dinheiro público. Segundo informa a Folha de S. Paulo na edição deste sábado, com participação direta de Carlos Bolsonaro, o filho 02. Por isso, o empenho do presidente em trocar o delegado geral da Polícia Federal. É uma tentativa desesperada de melar os inquéritos. E salvar os filhos. Seria nobre, não fosse trágico – e criminoso.
Consumada a demissão, os bolsonaristas entraram em silêncio sepulcral. Nada disseram. Tamanha é sua devoção ao líder que, mesmo diante dos fatos que comprovavam o acerto da imprensa, nenhum desses que mencionei se dignou a escrever um outro comentário lamentando o erro de avaliação cometido, a crítica precipitada, as gargalhadas indevidas, os termos chulos. Quando despertaram, boa parte deles se juntaram de novo. Agora, sob a hashtag #FechadosComBolsonaro. O novo mantra é: não votei para ministro, votei para presidente.
“Como vcs tem a coragem de publicar essa fake news?”, perguntou Taniacmbarros. A melhor resposta, ainda que não fosse o sentido que quisesse dar, está nas palavras de joaobereta: “Gcn sendo Gcn”. Sim, com muito orgulho. O que fazemos exige trabalho duro, muita apuração, experiência e coragem. Não é mérito exclusivo nosso. Há muita gente competente, em todo o Brasil, dedicada à mesma missão de informar. Não tem a ver com ser a favor ou contra, com gostar ou não gostar. É simplesmente ater-se à verdade, como deve ser. Isso é jornalismo. O resto, é ficção. Ou fake News, uma área que o bolsonarismo já deu mostras de dominar como ninguém.
Corrêa Neves Júnior, jornalista e vereador em Franca
email - junior@gcn.net.br
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