O 'super' presidente

Na visão dos bolsominions, o presidente é um super-herói, um homem desprovido de falhas ou erros, que está acima do bem e do mal.

05/04/2020 | Tempo de leitura: 6 min

“O egoísmo social é um começo de sepulcro”
Victor Hugo, escritor francês

 

O ministro da Saúde, Luiz Mandetta, escolhido para o cargo pelo presidente Jair Bolsonaro e que continua a serviço da República brasileira, é claro como água cristalina. Disse na última sexta-feira, em mais uma entrevista coletiva, o que todo mundo já deveria saber: países que fizeram isolamento social rapidamente retardaram o número de contaminados e conseguiram tratar a sua população; aqueles que demoraram a agir pagam um preço de vidas que se mede na casa das milhares de mortos por dia. Há gente que vai se contaminar e nem vai sentir nada, mas outros tantos vão ter problemas mais sérios e precisarão ser internados. Uma parcela significativa vai morrer. Não existe vacina para o coronavírus. Não existe remédio que possa ser usado em larga escala contra o vírus. Não existem testes eficientes em quantidade suficiente para descobrir quem está contaminado. Não há leitos de hospital para todos que vão precisar. Não há suprimentos para médicos e enfermeiros que lutam na linha de frente. Não há muito o que fazer para evitar que a pandemia se espalhe mais rápido do que rastilho de pólvora além de recorrer às quarentenas, adotadas, neste instante, em praticamente todos os países do mundo.

Para os radicais bolsonaristas, tudo isso é balela, ficção, manipulação da mídia. Não importa a razão, a realidade que deveria se impor, a análise de médicos... Se tudo vai contra o que prega o presidente Bolsonaro, não é ele que está errado. É o mundo. Basta acompanhar as postagens de seus discípulos em redes sociais para constatar como qualquer opinião divergente da dele é imediata e violentamente rechaçada. Na visão dos bolsominions, o presidente é um super-herói, um homem desprovido de falhas ou erros, que está acima do bem e do mal.

Para quem concorda integralmente com as visões do presidente, a história da pandemia é mais ou menos assim: os malvados chineses, que ainda por cima são comunistas, tiveram uma ideia genial para dominar o mundo. Criaram um vírus. Soltaram no meio da sua população para que se espalhasse. Ficaram quietos, deixaram morrer um punhado de chineses, depois isolaram a província onde a epidemia começou e se prepararam para a vitória. O vírus se espalhou, mas ele não é assim tãããoooooo perigoso. É só uma gripezinha. Italianos, espanhóis, franceses, portugueses, japoneses, sul-coreanos e outros tantos europeus e asiáticos, apesar de serem gente boa, especialmente porque não são comunistas, se assustaram à toa só porque um punhado de gente começou a morrer. Afobação, até porque quem morre é velho e os velhos estão perto da hora de morrer mesmo... Os russos também fecharam tudo, mas eles não contam. São comunistas. Nem deviam estar vivos. Quantos mais morrerem, melhor. Vale o mesmo para os venezuelanos e cubanos. Os africanos, nem contam. E o presidente Trump, caiu no conto do vigário quando abandonou a perspicácia do Mito e mandou os americanos ficarem em casa. Coitado, tá velho, um amigo morreu de corona, ele é mal assessorado e não aguentou a pressão de todo mundo contra o Mito.

A conspiração une todos. Se juntaram, numa mega-reunião pelo Zoom, aplicativo de conferências online, toda a indústria de turismo, de lazer, de bares e restaurantes, as federações comerciais, os governos. Os hotéis combinaram de fechar as portas. Os portos e aeroportos também. Os diretores de todas as competições esportivas do planeta, dos campeonatos de futebol aos Jogos Olímpicos, da NBA até a Fórmula 1, das ligas de hóquei às disputas de atletismo, invejosos do perfil atlético do presidente Bolsonaro, resolveram paralisar as competições só para atrapalhar o Brasil. Os shows, todos eles, de Restinga a Paris, foram cancelados, não importa se o cantor é sertanejo, pop, roqueiro, gospel. As peças de teatro, apresentações circenses, musicais da Broadway, concertos de música clássica, óperas, balés, cinemas, gravações de filmes e novelas, de séries e documentários, foi tudo paralisado para prejudicar o capitão Jair. Até os parques da Disney, a Universal, o Sea World, o Beto Carreiro, baixaram as portas. Sabem por que? Porque por detrás de tudo isso estão os artistas. E todo artista é comunista e contra o presidente. Comunista, como todo mundo já sabe, é uma praga muito pior que o Covid-19.

O papa Francisco, os líderes judeus, os evangélicos e protestantes, os aiatolás muçulmanos, os espíritas, os budistas, os xintoístas, todos preocupados com a expansão do império do ungido pastor Silas Malafaia, também resolveram fechar milhões de templos mundo afora só para prejudicar o bispo amigo do Jair e atrapalhar o presidente.

Montadoras de veículos, fábricas de aviões, gráficas, indústria de eletrodomésticos, de roupas, todo mundo parou para atrapalhar a gente. Médicos e cientistas, governadores e prefeitos, antigos aliados como Ronaldo Caiado, são tudo farinha do mesmo saco e estão unidos tentando transformar essa gripezinha inofensiva numa coisa grave. Puro terror, histeria, exagero.

Mas o pior mesmo foi a mídia. Os jornalistas, sempre canalhas (nunca se esqueçam que todo jornalista é, foi ou será comunista), fizeram um pacto global para usar o coronavírus para prejudicar o presidente do Brasil. Os jornais New York Times, Washingon Post, La Reppublica, Le Monde, Asahi Shimbum, Der Spiegel, El País, Folha de São Paulo, Estadão, Comércio da Franca; as TVs Globo, CNN, Fox, Rai, BBC, ABC, NBC, CBS; os portais de todos eles, mais a GCN e outros milhões que narram o cotidiano de suas comunidades, se mancomunaram com o sórdido objetivo de derrubar Jair Bolsonaro, colocar o vice, Mourão, no seu lugar, e depois atuarem juntos para fazer de João Doria (jamais esqueça, nem por um minuto, que o pai dele era comunista) o presidente em 2022.

Quem tem filhos tem medo. Quem tem pais tem medo. Quem tem amigos tem medo. Aparentemente, só quem tem Bolsonaro no coração não tem medo. Para eles, o presidente brasileiro é vítima do mundo. Ele é tão incrível que, depois que conseguir vencer a guerra e provar que está certo, acabará escolhido para governar o planeta. Tem muitos que acreditam que é pouco. Há entre eles quem já sonhe com Bolsonaro 2100 (não se esqueçam, além de atlético, ele é herói e, portanto, imortal) para gestor da galáxia. Lá de cima, vai poder mostrar que Olavo de Carvalho sempre esteve certo e que a Terra é plana.

Vamos parar de perder tempo com cientistas, médicos, infectologistas, com o chato do Mandetta, e ungir logo Bolsonaro como sumo-governante perpétuo do Cosmos. Nada menos do que isso está à altura da visão de Jair. Somos afortunados. Espertos como só eles, os bolsominions já sabiam disso. Falta só convencer a imensa maioria dos brasileiros que levam o coronavírus a sério. E o resto do mundo. Mas isso, para quem tem Jair Bolsonaro, é pouca coisa, talkey?

 

Corrêa Neves Júnior, jornalista e vereador em Franca
email - junior@gcn.net.br
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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