Pior impossível


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"Toma cuidado ao eleger teus inimigos pois pode terminar parecendo-te com eles"
Jorge Luis Borges, escritor argentino

Foi Aristóteles quem primeiro teria dito que a “a arte imita a vida”. Na verdade, o que o discípulo de Platão afirmou foi que “a arte imita a natureza”. Está na sua obra Física, Livro II. Foi escrita quase 400 anos antes de Cristo. Mas desde então, em especial nas últimas décadas, a frase tem sido repetida para ilustrar quão surpreendente – ou absurda – pode ser a própria existência.

Tivesse vivido nos tempos atuais, Arístóteles por certo estaria surpreso com a precisão de sua análise. Morasse no Ceará, estaria também estupefato com a capacidade humana de protagonizar episódios que seriam simplesmente impossíveis de serem imaginados por qualquer ficcionista, por mais talentoso que fosse.

Primeiro, tem-se a Polícia Militar do Estado. A Constituição diz que forças de segurança não podem fazer greve. O Supremo Tribunal Federal foi peremptório ao confirmar. O que fez a PM do Ceará? Não apenas colocou-se em greve, o que já seria ilegal, como também vestiu capuz e, no melhor estilo dos traficantes de drogas que controlam tantas periferias, “determinou” que o comércio de cidades importantes do Estado, como Sobral, baixassem as portas. Para piorar, grupos de policiais ainda tomaram posse de batalhões e viaturas. E, como se nenhum absurdo fosse grande o bastante, instalaram gradis de proteção e colocaram suas mulheres e crianças na frente.

Ou seja, os policiais que têm como missão garantir a lei e a ordem inverteram a lógica que rege qualquer situação de risco e colocaram os mais frágeis, seus filhos, na linha de frente, acompanhando pelas mulheres a quem, imagino, tenham jurado amor. Num eventual confronto, não estariam as mulheres e crianças protegidas. Seriam, no sentido oposto, as primeiras vítimas.

Entra em cena então o ex-prefeito, ex-deputado, ex-governador, senador da República e, ouso dizer, ex-detentor do juízo perfeito, Cid Gomes. Colocar fogo no parquinho é brincadeira de criança para a turma do Cid. O sujeito não apenas conclamou a população local a acompanhá-lo no enfrentamento físico dos policiais amotinados. Tão logo desembarcou em Sobral, assumiu a direção de uma retroescavadeira e partiu rumo ao quartel onde os grevistas haviam se instalado. Chegando lá, com diplomacia capaz de assustar um talibã raivoso, Cid, megafone em punho, gritou para que todos saíssem imediatamente. “Cinco minutos. Vocês têm cinco minutos, nem um minuto a mais”, vociferou.

Esgotado o tempo, Cid, no comando da retroescavadeira, acelerou rumo ao gradil onde estavam os amotinados – e também suas mulheres e crianças. O desfecho só não foi mais trágico porque Deus deve, mesmo, ser brasileiro. Podiam ter morrido centenas de pessoas esmagadas. Podia ter havido dezenas de baleados. Podia ter acontecido uma tragédia de proporções bíblicas. Por sorte, apenas Cid saiu ferido – e segue bem, fora da UTI, apesar dos dois tiros que levou no peito.

Em toda situação, por mais difícil que seja, sempre há alguém com mais razão, outros com menos. Vale para uma discussão, um debate e até, no mais das vezes, para a guerra. No conflito de Sobral há uma rara convergência de fatores que faz com que todos os envolvidos estejam errados. Ali, não sobrou ninguém certo. Absolutamente ninguém.

Há agora que se aguardar as cenas dos próximos capítulos. Que ninguém tente antecipar o que virá a seguir. Como ensinou Aristóteles, nenhuma ficção é grande o bastante para antecipar o que seres humanos são capazes de fazer. Muito menos no Brasil.
 

Corrêa Neves Júnior
publisher do Comércio e vereador.
junior@gcn.net.br

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