O que comemoram?

Houve quem celebrasse o 'fim dos puxa-sacos', a derrocada da 'turma da Santa Cruz', a extinção dos 'incompetentes' que 'afundam' o governo.

02/02/2020 | Tempo de leitura: 5 min

“O futuro é comprado pelo presente”
Samuel Johnson, escritor e pensador inglês

 

Bastou a decisão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo - que analisava 104 cargos comissionados da prefeitura de Franca questionados pela terceira vez pela Procuradoria Geral do Estado - ser anunciada, no final da tarde da última quarta-feira, para que muitos corressem às redes sociais para “comemorar” o que avaliam ser uma derrota de Gilson de Souza (DEM). Houve quem celebrasse o “fim dos puxa-sacos”, a derrocada da “turma da Santa Cruz”, a extinção dos “incompetentes” que “afundam” o governo. Outros falaram nos benefícios da “economia” e no fim do “desperdício” do dinheiro público. A realidade não podia ser mais distante.

Não é de hoje que tenho dito e repetido como a paixão política e a obsessão que muitos têm em descontruir quem está no poder turvam o equilíbrio necessário para analisar um problema difícil como o dos cargos comissionados que, no frigir dos ovos, pode inviabilizar qualquer um que seja eleito, além de impactar diretamente na vida do cidadão, independente de sua ideologia ou preferências partidárias. É um problema de todos, não apenas de Gilson.

É importante deixar claro que nem de longe concordo com muitos dos indicados pelo prefeito Gilson de Souza para ocupar tais funções comissionadas. Há gente flagrantemente incompetente em muitas posições. Mas não são a regra. Grosso modo, a maioria dos comissionados é dedicada, realiza um trabalho importante e merece respeito.

Além disso, vale reforçar que não era essa a discussão no TJ, “detalhe” ignorado ou menosprezado por muitos. O que se decidia não era se as indicações que Gilson fez eram válidas, se as pessoas eram competentes, se realizam ou não um trabalho relevante. O que se debatia era se os cargos podem ou não existir. Para Gilson, e para quem vier depois dele. Esse é o ponto que deveria concentrar os debates e atenções, como bem apontou o procurador geral do município, Gian Paolo Sardini, em entrevista a este Comércio. Porque o que foi decidido em São Paulo não começou com Gilson de Souza nem impacta apenas sua administração. Hoje o problema é dele. Amanhã, de qualquer um que se sentar na sua cadeira.

Vamos supor que Gilson desista de disputar a reeleição. Ou que, se entrar na corrida, perca nas urnas. Imaginemos que vença um daqueles pré-candidatos já declarados. Flávia Lancha (PSD), João Rocha (PSL), Adérmis Marini (PSDB) ou Marília Martins (Psol) poderiam indicar apenas os secretários titulares das pastas, uma dúzia de coordenadores e cinco cargos de assessoramento de políticas públicas. Mais nada.

Os convidados para assumir áreas como Saúde, Educação, Desenvolvimento Econômico, Cultura não poderiam ter ao seu lado pessoas que os acompanhavam a vida toda e com as quais mantêm laços de profunda confiança. O prefeito – ou prefeita - não teria como manter a seu lado a equipe que o acompanhou e aconselhou na campanha, nenhum executivo por quem tenha respeito e admiração, e nem teria como trazer algum especialista porque os cargos simplesmente não existem.

É importante se atentar também para o fato de que o posicionamento do Tribunal de Justiça paulista não é repetido no restante do país e nem no governo federal. Quem acompanha o governo Bolsonaro, para ficar num único exemplo, sabe que gente do quilate de Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública) e Regina Duarte (Cultura) só aceitou assumir a função depois de ter assegurada a possibilidade de montar suas equipes com pessoas da sua pessoal e estrita confiança. Obviamente, não estou comparando o nível da equipe de Sérgio Moro com a de Gilson de Souza, mas sim, o princípio. Sérgio Moro pode escolher, para algumas funções, quem ele ache melhor para ocupar os cargos de livre nomeação. Vale o mesmo para Regina Duarte. E para o presidente Bolsonaro.

É essa prerrogativa que o Tribunal de Justiça tirou de Gilson de Souza. E de quem o suceder. É um erro, gravíssimo, porque é impossível que qualquer gestão se sustente apenas com servidores públicos de carreira, por maior que seja a dedicação deles, por melhor que seja sua qualidade. Quem assume, precisa ter liberdade para montar seu time, escolhendo quadros do serviço público, se quiser, mas podendo recorrer a pessoas que conheceu ao longo da vida, se achar melhor.

Para piorar, há ainda a confusa posição do tribunal, que tem deixado advogados e especialistas sem saber que rumo tomar, em Franca e em dezenas de outras cidades paulistas onde as funções comissionadas têm sido questionadas. No governo Alexandre Ferreira, quando a procuradoria do município se debruçou sobre o assunto, foi feita uma tentativa de regularizar o problema herdado das gestões anteriores, mas o Tribunal julgou que os cargos comissionados tinham muitas atribuições, o que fazia deles privativos de preenchimento por concurso público. Eleito Gilson de Souza, o novo procurador seguiu caminho semelhante, e recebeu resposta idêntica do Tribunal de Justiça.

Na mais recente tentativa, Gilson de Souza contratou a prestigiada Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), vinculada à USP (Universidade de São Paulo), para ajudar. Cortaram os cargos comissionados de 298 (excluídos diretores de escola) para 104, uma redução de 60%. Nestes cargos remanescentes, fizeram uma descrição genérica, de assessoramento. E o que decidiu o Tribunal? Que continua errado.

Mais uma vez, declarou tais cargos inconstitucionais, mandou demitir todo mundo e não acende uma luz no fim do túnel que permita ao atual gestor ou a seu sucessor desenhar uma estrutura administrativa que atenda os requisitos de suas Excelências.

Há muitas e legítimas razões para se criticar Gilson de Souza. Seu governo tem problemas gravíssimos, falhas monumentais e têm deixado a desejar. A morte de Lucimar Barbosa na última sexta-feira, aos 52 anos, vítima de um acidente acontecido por conta da buraqueira que infesta a cidade, é apenas um exemplo de como a hesitação do gabinete ao longo do ano passado levou à paralisia nas operações tapa-buracos que, em última instância, contribuiu para muitos acidentes e, pelo menos, uma morte.

Mas o problema dos cargos comissionados não é culpa dele. E seus impactos, não se limitam a seu governo. É bom que seus críticos contumazes não se esqueçam do antigo ditado que lembra que, às vezes, o “feitiço vira contra o feiticeiro”. Alguns dqueles que vibram hoje com o fim dos cargos comissionados podem estar, daqui a doze meses, presos a intermináveis reuniões para buscar uma solução que, pelo que tem mostrado o Tribunal de Justiça, pode simplesmente não existir. Quem viver, verá.

 

Corrêa Neves Júnior, publisher do Comércio e vereador.

email - jrneves@comerciodafranca.com.br 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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