Tomamos o caminho mais longo para admirar as cercas de varas, que ainda reinam absolutas - nenhum muro ou arame farpado. As varas, aparadas com tanto capricho, quase anulam o dito popular nordestino: “cego é quem não enxerga por uma cerca de varas”
Depois do almoço sertanejo na casa de meu tio que mora, bem podemos dizer, na última casa do Ceará, limpamos a mesa e trocamos pratos por xícaras de tomar café. Mais cafezeiros que nós, ele me disse que às vezes passam seis garrafas de café, bem doce, no dia. Ao nosso lado, seis crianças aflitas para saber sobre esse povo que chegara de tão longe. Queriam nos levar para passear, por sorte, porque era o que queríamos também. Minha irmã, que não terminara o café, optou por carregar consigo a xícara e o café, causando riso geral. A atitude secou a inibição das crianças que se agarraram a nós, fazendo-nos íntimos nas bobeiras. Talvez os adultos achassem estranho nos mostrar a casa de farinha.... Orgulhosamente, fomos apresentados à imensa chapa e o rodo que reviram e secam a farinha, aprendemos até os sestros. O motor que espreme a massa – já dispensaram o jugo e a canga do boi –, o local onde se sentam as raspadeiras de mandioca. Ruidosamente nos contaram sobre a festa que é o desmanche da mandioca, atividade muito rústica e pesada que reúne o pequeno povoado de Pedrinhas. “Ô Adriana, tem farinha lá em casa, venha vê, venha”.
Tomamos o caminho mais longo para admirar as cercas de varas, que ainda reinam absolutas - nenhum muro ou arame farpado. As varas, aparadas com tanto capricho, quase anulam o dito popular nordestino: “cego é quem não enxerga por uma cerca de varas”. Acharam ridículo a gente se confundir entre cacimbas, cacimbões, poços e cisternas – deve ser algo comparado a estupidez de não se saber a diferença entre uma torneira e um copo de água.
De volta à casa, outra garrafa de café fresquinho e uma massa linda descansando: massa puba e milho, melaço de rapadura, castanha de caju, erva doce e bem docinho. Minha prima vai deitando colheradas dessa massa numa frigideira untada. Um disco para cada pessoa e mais café, foi a merenda da tarde. Voltamos do primeiro passeio como velhos amigos, a pequena distância entre o almoço e a merenda nos fez conhecidos na vizinhança e entendedores da rotina do vilarejo.
Os adultos, sempre tão preocupados em dar conforto e receber consideração, se esquecem da beleza que existe na franqueza de se mostrar tal como se é.
Convivermos alguns dias com crianças simples, corajosas e amáveis plantou uma tristeza irrefutável em nossos corações. Entender que: “Ô Adriana, se ocê num morá aqui, a gente nunca mais se vê”.

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