Calculamos o tempo de modo a chegar em nosso destino pela hora do almoço. Almoço de 25 de dezembro, almoço de Natal. Próximos eram: partida e chegada. Mas, entre elas, uma estrada difícil. Começamos saindo de Juazeiro do Norte, passando por Barbalha, Missão Velha, depois Barro, e o motorista da Van, Edimar, nos informa que é a cidade da Silvia Designer. Meu pai, comendo banana, não entendeu a informação e pergunta: quem? Eu falo em alto e bom som, e ele: “Ah! Conheço muito”. Eu penso: Jesus, de onde ele conhece a mulher-gato, que estampa as fachadas das lojas dessa nordestina arretada? Quantas vezes, chegando na rodoviária de São Paulo, passando em frente a uma de suas lojas, pensei: quanta autoestima...
Horas depois, quase passamos reto pela casa de meu tio. Mas esse, mais atento que nós, gritou se abanando todo e nos fez chegar e viver toda aquela história entre pessoas que se amam e passam uma vida sem se ver. Adentramos à cozinha e fomos avisados: “nós todos já almoçamos, o serviço no roçado começou às 5, das 11 horas ninguém escapa sem comer”. Os pratos duralex empilhados, os talheres em cima da mesa, com toalha plástica, e os bancos de madeira clara foram um convite irresistível à verdade da vida.
Uma bacia com jerimum só cozido, bem firme e doce, era passada de mão em mão para nós; melão picado e doce devia ser misturado ao arroz - Michele Obama aprovaria -; feijão de corda, caldo bem ralo com coentro picado; o mugunzá e bode cozido. Fiquei tão feliz que mesmo se a comida estivesse ruim, eu adoraria. Que felicidade testemunhar uma família se alimentando na tradição do seu terreno. Elogiei muito o sabor de tudo, à guisa de alívio, porque temi ser recebida com frango frito ou pizza ou qualquer coisa industrializada.
Meu tio cria bodes e nas ocasiões especiais mata um. Eu já sabia que ele o faria. Minha tia Severina, quem preparou, estava com cara de: “vocês vão gostar”. Mas estava além disso, foi certamente uma das melhores carnes que já provei. Ela quis passar o mérito ao meu tio: “Só Vicente sabe escolher o animal certo e o peso limite para dar essa carne aí, menina”.
A carne soltando do osso - delir, é o verbo. Mas quem se importa. O bode foi feito em panela de barro, no fogão à lenha, que veio do quintal e por lá foi quarada e rachada pelo sol Nordestino. Portanto, comemos algo que, provavelmente, jamais comeremos.
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