Ainda estou em negação. Por mais que os anos vividos tenham me forçosamente acostumado com a dura rotina da perda de pessoas próximas e queridas, há momentos em que a lógica e as circunstâncias simplesmente não fazem qualquer sentido. Há exatamente uma semana, no mesmo horário em que finalizo este texto, por volta das 18h de sábado, o fotógrafo Tiago Brandão estava a dez passos de distância de mim, sentado na redação do Comércio, conversando sobre o fechamento da edição. Hoje, a razão diz que seu corpo jaz numa cova do cemitério Santo Agostinho. Mas a alma não aceita. De jeito nenhum.
Naquele último sábado, éramos eu, responsável pelo fechamento; Vandinha, a diagramadora encarregada de finalizar as páginas; Irinéa Donizete, a coordenadora do portal; e Tiago, o responsável pelas imagens. Como imprevistos fazem parte da rotina do jornalismo, um acidente envolvendo um mecânico concentrava nossas atenções. A colisão entre uma moto e um Corolla, na avenida Presidente Vargas, próximo ao cemitério Santo Agostinho, ia para a capa do jornal. Queria uma imagem que mostrasse o carro tombado e a moto acidentada no mesmo enquadramento. Tiago conseguiu. Lamentamos o acidente, a morte precoce da vítima... Mas, de resto, foi um sábado leve, de conversas amenas.
Rimos quando Irinéa, que havia chegado completamente rouca de uma viagem a Cabo Frio, nos contou detalhes de suas aventuras no Rio de Janeiro. Se sobravam elogios para a beleza das praias, o mesmo não se repetia com relação ao conforto oferecido pelo quarto da pousada, minúsculo – e onde se espremeram cinco mulheres. Tiago se divertiu muito com as histórias. Disse que conhecia bem Cabo Frio e que queria voltar este ano, de moto, com a namorada.
Vandinha, magra de irritar, garantia que havia comido “muito”, graças a uma tia boa de forno e fogão. Contei que também havia exagerado e que, junto com o João, começaríamos uma dieta. Tiago contou do ano novo passado num rancho, com amigos. Falou dos filhos. Falou das facas que gostava de forjar enquanto dividíamos refrigerante, bolachas, um cigarro. Tiago não tinha apenas sonhos. Tinha planos, muitos.
Concluímos o trabalho por volta de 20h30, nos despedimos. Ele teria três dias de folga. Nos reencontraríamos na quarta, certamente. Mas Deus quis diferente. Na tarde de segunda-feira, pelo grupo de WhatsApp que usamos para centralizar a produção de conteúdo, um aviso do repórter Kaíque Castro indicava, exatamente às 17h43, o prenúncio da tragédia. “Gente. O Tiago sofreu um acidente”. Seguiam-se informações sobre o resgate, a faca que havia atingido a artéria femoral, o estado grave.
Sete minutos depois, Kaíque sentenciava: “o Tiago morreu”. Estava na minha sala, em choque. Desci correndo para a redação. Nunca vou me esquecer dos olhares atônitos, da incredulidade generalizada, da tristeza absoluta... Kaíque, desesperado, perguntava pelo telefone o que fazer. O editor Leandro Vaz deu a única orientação possível. “Calma. Entenda o que aconteceu, confirme se ele não resistiu mesmo”. Minutos depois, publicaríamos a notícia que nenhum de nós jamais imaginou escrever. Tiago Brandão estava morto. Aos 37 anos, vítima de um estúpido acidente com faca.
Passados cinco dias de sua morte, sentado no mesmo lugar onde estive com ele há uma semana, ainda olho para a porta a todo instante certo de que ele vai entrar. Sei que a aceitação vai chegar, mas ainda não é hora. Por enquanto, apenas me resigno diante dos desígnios de Deus. Porque, entender, é humanamente impossível.
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