Deveria ser literário. Pelo menos, é o que diz o nome, a versão rebatizada por Gilson de Souza (DEM) da Feira do Livro criada pela inesquecível secretária de Educação, Leila Haddad, na gestão de Sidnei Rocha (PSDB). É qualquer coisa, menos isso.
Estive na praça na tarde de sexta-feira para acompanhar o que, supostamente, seria uma homenagem à minha mãe, escritora com uma vida de dedicação à cultura. Registre-se, não apenas através de sua própria obra, vasta e reconhecida muito além de Franca, mas também pelo incansável apoio ao desenvolvimento da literatura na região, quer seja através do seu ofício de editora, publicando incontáveis autores, quer seja através da voz sempre erguida na defesa da literatura.
O palco estava lá, mas não para ela. Nem para Evelina Gramani Gomes, outra importante autora “homenageada” dois dias antes, nem para Perpétua Amorim, presidente da Academia Francana de Letras, nem para Maria Luiza Salomão, patrona da festa deste ano. Na verdade, o palco não estava ali para autor nenhum. O espaço nobre do Festival Literário é só para os músicos. O camarim também. O cachê, não poderia ser diferente. Não que os escritores peçam dinheiro. É só uma ressalva para lembrar que, diferente de quem escreve, os cantores não soltam um agudo se não estiverem prévia – e regiamente – pagos.
E onde ficavam os escritores? No chão, tentando falar enquanto técnicos dos cantores que se apresentariam mais tarde faziam seus “testes”, numa sinfonia infernal como se composta especialmente para impedir que os escritores fossem ouvidos.
Acompanhei Maria Luiza, visivelmente constrangida, buscar no ar apoio para os livros com trechos selecionados que ela compilara para leitura e discussão. Não havia púlpito, banquinho, mesinha de centro. Não tinha um pedaço de pano qualquer forrando o chão. Não tinha nada – nem água. Obviamente, não havia também a presença do secretário de Cultura, Elson Boni, ou do responsável pela Educação, Edgar Ajax. Muito menos do prefeito Gilson de Souza. Por certo, guardavam energia para o show da noite. Porque, entre escritores e livros, o trio não estava.
A comparação é inevitável. Sim, minha mãe já foi homenageada na Feira do Livro de Ribeirão. Não uma, mas três vezes. Havia música, como aqui, mas tinha também deferência por quem escreve. Os debates aconteciam no palco do “Theatro Pedro II”. Há camarim para que o autor se prepare. Tem água, tem café, tem jovens e crianças visitando... Tem, sobretudo, respeito.
No Festival Literário de Franca, há barracas de comida, parque de diversões, atrações musicais. Mas praticamente não têm livros. Os que existem ficam distribuídos em meia dúzia de barracas, montadas de qualquer jeito, sem mínimo atrativo para o leitor. Nem mesmo as crianças da rede municipal de ensino apareceram por lá. Se foram, ninguém ficou sabendo, porque toda a divulgação só fala dos cantores.
Gilson de Souza matou a Feira do Livro e colocou no lugar um festival musical travestido de literário. Seria melhor confessar seu crime. E dar às coisas o nome que as coisas têm. Mude o nome do evento. Torne Diego Figueiredo o patrono permanente. Pare de humilhar os escritores. Não é a melhor solução mas, pelo menos, é mais honesta. E menos infame.
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