Aos 32 anos de idade, o francano Vismar Ravagnani Duarte Silva já viajou para mais de 10 países. Filho único de um policial militar e de uma bancária aposentada, foi criado na Vila Nova, fez o ensino fundamental no Colégio Jesus Maria José e o colegial em três escolas particulares diferentes. Desde a infância, se apaixonou pela música e tornou-se bacharel no assunto, mas em 2011 resolveu mudar de carreira. Tomou posse como diplomata em 2014, quando também conheceu Laís Loredo Gama Tamanini, 32, também diplomata, que viria a se tornar sua mulher. Na última semana, o casal embarcou para a primeira missão no exterior, na Suíça.
Cuidadoso com a responsabilidade que seu cargo confere, Vismar fez questão que fizesse constar o seguinte nessa entrevista: “Essa é uma entrevista totalmente em caráter pessoal. E qualquer opinião eventualmente expressa não reflete a posição oficial do Ministério de Relações Exteriores ou do Governo Brasileiro”.
Antes da diplomacia, você se formou em música. Você chegou a trabalhar na área?
Comecei a tocar violão aos 9 anos de idade. Estudei violão aqui em Franca com um professor famoso de São Paulo. Me apaixonei por orquestra e achei que seria interessante estudar a regência. Saí de Franca com 17 anos para estudar na USP em São Paulo. Durante 7 anos fiquei estudando música e regi um coral amador no Instituto Goethe. Aprendi alemão porque eu tinha intenção de seguir a carreira na Alemanha. Percebi que precisava aprender línguas e fui aprender francês também. Porque a música erudita é muito internacional, para quem estuda isso em um país como o Brasil há uma necessidade grande de ir para grandes centros internacionais para adquirir algum tipo de formação mais especializada.
Quantas línguas você fala e como aprendeu?
Além do português, falo inglês, alemão, francês e espanhol. Cada uma tem uma história. Espanhol aprendi de maneira mais autodidata, com poucas aulas e mediante leituras. O inglês aprendi desde criança, em escolas de idioma aqui em Franca, e depois aprimorei para os concursos. O francês e o alemão aprendi quando estava na faculdade. O alemão levei um pouco mais adiante, além do curso, estudei com bolsa do DAAD (Deutscher Akademischer Austauschdienst Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico) na Universidade de Freiburg.
Quando pensou em ir para a diplomacia?
Quando terminei a Música, em 2010, era o momento de buscar um complemento da formação no exterior. Fui para Alemanha fazer o intercâmbio da DAAD e fiquei 2 meses lá. Prestei algumas provas para tentar um mestrado lá, mas não fui aprovado. Conheci como era o mercado de trabalho para a música e vi que era uma coisa complicada e o caminho não ia ser muito adequado às minhas expectativas. A inserção no mercado da regência no mundo todo é complicada. Fiz uma reflexão sobre a vida e o que eu deveria fazer; uma carreira que pudesse ser viável para mim e que me trouxesse satisfação profissional e pessoal. E como eu já tinha começado a ter um tipo de experiência no exterior, e gostei muito disso, achei que poderia enveredar para esse rumo e juntar um pouco essa coisa de estar no exterio e representar o Brasil. Porque quando você fica um tempo no exterior descobre que é muito mais brasileiro do que imaginava. E juntar as duas coisas, entender o seu país, entender um pouco de outros países, é bom na carreira diplomática. E decidi, no início de 2011, prestar o concurso. já que não tem restrição de formação universitária, basta ter uma, qualquer uma, e isso viabilizou meu ingresso na carreira.
O concurso de admissão à carreira de diplomata não é fácil. Como foi sua preparação?
Quando decidi prestar o concurso, voltei para Franca, para a casa dos meus pais, e comecei a ler tudo que podia sobre a carreira diplomática e a me preparar para as disciplinas necessárias no concurso. Lia, fazia fichamento dos livros, simulados, estudava as provas anteriores e assim fiquei durante um ano. No ano seguinte, fui para São Paulo, fiquei mais um ano em cursinho preparatório. Quase passei na primeira tentativa, o que me deu incentivo para continuar os estudos. Porque estudar pouco tempo e quase passar para esse concurso é uma coisa significativa, já que as pessoas geralmente estudam muitos anos. Voltei para Franca e quando saiu o edital, prestei e passei, em 2013. Tomei posse no início de 2014, começando no URB(Instituto Rio Branco).
E como foi depois da posse?
Me mudei para Brasília. Eu não conhecia a cidade. Foi uma experiência muito interessante. Acho que todos deveríamos conhecer a capital do nosso país. Foi um período de descobertas, de entender mais de perto como funciona o governo. E como funciona um emprego também, porque eu nunca tinha trabalhado efetivamente. Isso é um dado interessante. Muitos dos aprovados nesse concurso nunca trabalharam antes. E quando você entra na carreira você ainda não vai trabalhar. Você fica fazendo o curso no IRB, na Academia Diplomática Brasileira. No terceiro semestre a gente faz um estágio. No final do curso, pelo ranking da média de notas do curso e do concurso, a gente escolhe o lugar onde vai trabalhar de acordo com a disponibilidade de vagas. Escolhi o departamento cerimonial e fui lotado na CGPI (Coordenação Geral de Privilégios e Imunidades).
Como era sua rotina?
No meu dia a dia, estando na CGPI, eu cuidava de privilégios e imunidades diplomáticos. A CGPI coordena a aplicação dessas prerrogativas aqui no Brasil e também de alguma forma no exterior. Isso envolve, por exemplo, contato com diversos órgãos da administração pública brasileira para explicar uma situação especial de diplomatas estrangeiros aqui, de quais imunidades eles gozam, quando ela se aplica ou não, qual a categoria daquela pessoa de acordo com o direito internacional... E envolve trabalhos cotidianos como emitir documentos para essas pessoas, pois elas não têm RG se não são brasileiras, não têm CNH. A gente tem contato com a Receita Federal, com Governo do Distrito Federal, com outros governos estaduais, a Polícia Federal, o Poder Judiciário. E isso é interessante para entender como o governo funciona. É uma experiência muito útil.
Com quais governos você trabalhou? Há diferenças no seu trabalho?
Trabalhei com os governos Dilma, Temer e agora, Bolsonaro. Não há diferença. Porque a CGPI trata de assuntos muito técnicos. É claro, em um ou outro momento há alguma coisa que ganha sensibilidade política, mas isso é a exceção. Acho que a política externa brasileira tem uma continuidade. Somos funcionários de estado e, especificamente na CGPI, temos diversas normas, regulamentos, leis a cumprir e isso não mudou. O direito internacional, que é uma das coisas com qual a gente trabalha, é a base que a gente usa no dia a dia, isso continua o mesmo. Uma ou outra diferença de enfoque é claro que existe, mas é absolutamente natural porque o Itamaraty e o MRE fazem política e assessoram o presidente da República, que é a autoridade que, institucionalmente, é responsável pela formulação da política externa brasileira.
E como está a relação da política externa brasileira com o que vem acontecendo na Amazônia?
Isso é complicado para eu dizer. Acho que não cabe a mim como diplomata falar sobre esses temas da política externa, até porque temos nossos Ministros, que se manifestam frequentemente sobre isso. Mas como funcionário da carreira diplomática, vejo que cada governo tem o seu modo de fazer política externa e isso é natural no âmbito de uma democracia. Acho que as discussões estão abertas para toda a sociedade e cabe às autoridades mais altas, como os ministérios e outros órgãos, decidirem a esse respeito junto com os demais atores legítimos. A gente tem não só nosso ministério, como tem o Congresso Nacional. Tem muita gente se manifestando a esse respeito e acho que no âmbito de uma democracia, tenho certeza que as coisas serão tratadas da melhor forma possível.
Para quais países você já viajou trabalhando no Cerimonial?
Minha primeira viagem foi a Estocolmo, na Suécia. Depois fui para Assunção, no Paraguai. Xangai, na China. Lima, no Peru. Singapura. Bogotá, na Colômbia. Hamburgo, na Alemanha. Santiago, no Chile. Mendoza, na Argentina. Osaka, no Japão. Montevidéu, no Uruguai. Davos, Suíça. Talvez eu tenha esquecido algum, mas acho que são esses que fui a trabalho, a turismo já fui para outros lugares. O cerimonial trata de visitas e eventos oficiais do estado brasileiro envolvendo o presidente e o vice-presidente. E quando o evento é no Brasil, também envolvendo o Ministro das Relações Exteriores. Essas viagens que eu fiz foram pelo Cerimonial, para acompanhar visitas oficiais dos nossos presidentes.
Teve alguma mais marcante?
Acho que cada uma teve a sua importância, mas diria que fiz alguns eventos bem grandes, por exemplo, o G20 em Hamburgo, que me marcou bastante. Foi um evento muito grande e complicado, com uma logística complexa. Foi em 2017, com o Temer. É um evento complexo porque envolve muitos países, pelo menos 20 membros mais os associados. Imagina essa quantidade de presidentes reunida em um só local. A quantidade de protestos, a dificuldade de locomoção, vias fechadas, isso tudo dificulta muito. E participei da visita do presidente Bolsonaro a Davos, esse ano. Acho que também foi importante, porque foi a primeira do mandato dele ao exterior. Havia muita expectativa, muita gente querendo saber como ia ser a nova política externa do Brasil.
E teve alguma ocasião constrangedora ou engraçada nessas viagens? Algo que só um diplomata presenciou?
Nessas viagens a gente tem um contato, ainda que só visual, com muitas autoridades que a gente jamais teria acesso na vida civil. Por exemplo, uma vez entrei em uma sala para preparar os assentos, uma coisa completamente de bastidores. Faltava um tempo para a reunião acontecer e entrei na sala para fazer a parte operacional e dei de cara com Justin Trudeau. O primeiro ministro canadense estava ali, olhou para mim e veio me cumprimentar. Isso é uma situação que acontece nesses eventos, você pode esbarrar numa dessas pessoas. Isso não é necessariamente glamour, não. Você está ali fazendo um trabalho, tem até que se comportar. Não pode ir lá tietar a pessoa.
Agora você está indo para Genebra, na Suiça, para assumir um posto, o que você vai fazer lá?
Estou indo para uma delegação do Brasil junto à Organização das Nações Unidas, em um escritório da ONU e outras organizações internacionais com sede em Genebra. A delegação trabalha com diversos temas, como direitos humanos, saúde, trabalho. O cargo específico vai ser distribuído assim que eu chegar lá (ao chegar em Genebra, na última quinta feira, 29, Vismar afirmou que vai trabalhar com temas da OIT (Organização Mundial do Trabalho).
Sua mulher também é diplomata e está sendo removida com você. Vocês se conheceram no IRB?
Exatamente. Ela carioca e eu francano. A gente se conheceu na turma do Instituto Rio Branco. Começamos a namorar um tempo depois de ter entrado lá e nos casamos no ano passado.
Qual a expectativa da vida em Genebra?
Vamos ver quando chegar em lá. Da mesma maneira como aconteceu com Brasília, eu não conheço a cidade agora, ela tampouco. Chegando lá a gente descobre. Nessa vida de diplomata é meio assim. Às vezes dá um pouco de frio na barriga. Vamos ficar por volta de 3 anos, que é o período máximo, não tem porque ficar menos.
E o futuro de casal, de família. Vocês pretendem ter filhos? E como seria? Voltariam para o Brasil?
Sim. A gente não sabe quando ou como, mas a gente cogita, sim. Mas ainda está em um horizonte vago. Nosso planejamento a princípio é fazer dois postos internacionais. E quando terminar o segundo posto a gente vai avaliar se volta para o Brasil ou se a gente faz um terceiro.
Como funciona a hierarquia da carreira diplomática? Você pretende seguir ela?
A carreira segue: terceiro, segundo e primeiro secretário. Depois segue ministro de segunda classe e ministro de primeira classe, que é o embaixador, o topo da carreira. Na nossa carreira é natural que as pessoas almejem serem embaixadores. Claro que o fluxo é um pouco complicado, mas é perfeitamente possível. Se você se dedicar e tiver uma boa condução chega a embaixador, não sem algum esforço, mas você chega.
O que você acha da indicação do Eduardo Bolsonaro, que não passou por nenhuma dessas etapas da carreira, ao cargo de embaixador nos EUA?
É uma indicação política. Os únicos cargos da carreira diplomática em que a lei permite a indicação de pessoas fora da carreira são de Ministro de Relações Exteriores e de Embaixador do Brasil no exterior, ou seja, chefes de missões diplomáticas. Então, esses cargos, por serem de confiança, são de livre nomeação pelo presidente da República, mas precisam passar pela sabatina no senado. Acho que em questão de mérito da pessoa do Eduardo Bolsonaro, não cabe a mim opinar. Isso cabe às pessoas que têm essa função, mais precisamente ao Senado Federal, que aprova ou rejeita a nomeação de todos os embaixadores do Brasil. É uma institucionalidade importante, é uma forma dentro de uma democracia de equilíbrio entre os poderes. Um poder pode aprovar o que outro poder decide fazer para cargos de altíssima confiança como é deste cargo.
Qual análise você faz da sua trajetória, da sua carreira até o momento?
Estou muito realizado e satisfeito com a minha carreira. Me sinto muito bem tendo a oportunidade de representar o país e de trabalhar com a política externa e as relações internacionais, seja aqui ou no exterior. Acho que isso acrescenta muito a minha formação e me dá uma visão muito interessante do mundo e do nosso próprio país. E uma das coisas que eu acho mais legais da carreira é que, apesar de você estar sempre lidando com outros países, indo e ficando longos períodos no exterior, você nunca se distancia do Brasil. Você está lá, mas você representa o seu país. Isso te mantém sempre vinculado à sua identidade, aos costumes e à cultura brasileira. Acho muito bacana a gente ir para o exterior, se sentir brasileiro e sentir que está fazendo algo pelo Brasil. E acho que é justamente isso o que me dá mais satisfação.
Fale com o GCN/Sampi!
Tem alguma sugestão de pauta ou quer apontar uma correção?
Clique aqui e fale com nossos repórteres.