O caso de Niterói

Um bom exemplo disso aconteceu na semana passada em Niterói, a cidade que divide com o Rio de Janeiro a baia de Guanabara.

18/08/2019 | Tempo de leitura: 3 min

“A dúvida é o princípio da sabedoria”
Aristóteles, filósofo grego

 

Não é de hoje que filósofos, cientistas políticos, jornalistas, sociólogos, psicólogos, entre outros tantos especialistas, alertam para o risco das fake news (notícias falsas, em inglês). Cria-se um fato onde não havia nada. Inverte-se um raciocínio, sem qualquer base em elementos concretos. Destrói-se uma reputação – ou, em casos extremos, abala uma nação.

Sabe-se hoje, por exemplo, que serviços de inteligência ligadas ao governo russo influíram diretamente na eleição americana. Impossível dizer se Donald Trump venceria Hillary Clinton mesmo se não tivesse tido a “ajuda” da máquina de fake news dos camaradas. Mas a verdade é que a Rússia, deliberadamente, manipulou, distorceu e impactou o debate eleitoral americano.

Tudo isso já seria péssimo e perigosíssimo se estivesse circunscrito à disputa política. Mas, como nada é tão ruim que não possa piorar, como consagra a célebre “Lei de Murphy”, os casos de fake news associados à vida cotidiana de pessoas comuns têm se multiplicado.

Um bom exemplo disso aconteceu na semana passada em Niterói, a cidade que divide com o Rio de Janeiro a baia de Guanabara. Desde o início da semana um áudio dizia que na sexta-feira, dia 16, haveria um processo seletivo para contratação de 1,5 mil pessoas numa unidade do Sine (Sistema Nacional de Empregos). “Quem tiver desempregado na sua família, manda pro Sine Niterói, a inauguração vai ser sexta-feira, dia 16, na rua da rodoviária, Avenida Feliciano Sodré, 43, oito da manhã. Tem que trazer identidade, CPF, carteira de trabalho e comprovante de residência, tá bom? (sic)”, dizia, num dos áudios, uma voz feminina.

Repassado de pessoa para pessoa, de grupo para grupo de WhatsApp, a “notícia” provocou enorme impacto. Sem que ninguém tivesse confirmado a veracidade no Sine, sem que tivessem visto uma única notícia sobre isso em jornais, rádios ou portais de internet, baseados unicamente num áudio de WhatsApp, centenas de pessoas se aglomeravam no tal endereço à espera de um emprego. Muitos pegaram dinheiro emprestado com familiares e amigos para conseguir pagar o deslocamento e chegar no horário anunciado. Outros deixaram filhos com parentes ou vizinhos. Na fila, multiplicavam-se histórias de pessoas desempregadas há mais de um ano.

Infelizmente, não havia uma linha de verdade. Para começar, não existe unidade do Sine ali nem havia qualquer previsão de inauguração. Também não existia nenhuma vaga de emprego disponível, muito menos mil e quinhentas. Obviamente, ninguém foi selecionado para coisa nenhuma.

De tudo, o mais triste, e sintomático, foi perceber que dezenas de pessoas, mesmo depois de alertadas por funcionários da Secretaria do Trabalho e Emprego do Rio de Janeiro de que haviam caído numa farsa, permaneciam inertes, em fila, na expectativa de que, de alguma forma, o boato se tornasse real e surgisse uma oportunidade de emprego. Desesperadas, elas não conseguiam mais enxergar a verdade. Insistiam, contra a realidade, em acreditar na fake news. E assim ficaram, por horas, numa absurda fila sem sentido, à espera de um milagre.

“Contra fatos não há argumentos”, preconizava uma antiga máxima. Bons tempos. Na era das fake news, não é mais assim. Fatos e argumentos se tornaram presas fáceis para a mentira e a manipulação. Muitas tragédias ainda vão acontecer. Quem sobreviver, verá.

 

Corrêa Neves Júnior, publisher do Comércio e vereador
email - junior@gcn.net.br 
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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