'Sou grata até pelo câncer', diz Sara Morgan Taveira


| Tempo de leitura: 13 min
Sara Morgan Taveira: Uma das minhas maiores preocupações era que eu poderia ficar careca e pensei:
Sara Morgan Taveira: Uma das minhas maiores preocupações era que eu poderia ficar careca e pensei:

Sites de significado de nomes e sonhos têm lindas definições para o nome Sara, que significa “princesa”. Uma das definições diz que se inspirada pelas histórias que existem por trás de seu nome, a mulher chamada Sara pode se tornar “aquela que recebe milagres como recompensa por sua fidelidade a Deus”.Para a francana Sara Morgan Taveira, 39, isso faz todo o sentido. Ela enfrenta, há quase um ano, sua maior batalha; desde quando teve a confirmação de diagnóstico de câncer de mama. Desde então, diferente do que muitas vezes acontece com quem enfrenta uma tormenta, sua fé em Deus se manteve inabalada e é possível considerar um milagre a força interior que ela encontrou para encarar esse momento tão delicado.Há alguns meses Sara faz posts frequentes no Facebook numa espécie de diário de sua lida com o câncer. Mas para quem imagina que são mensagens tristes, inconformadas ou revoltadas, uma surpresa. Ela publica, sempre, mensagens positivas, de otimismo, de amor, de força, de recomeço e, também, de gratidão. Sim, gratidão. Inclusive pelo diagnóstico de câncer. “Temos que ser gratos por tudo. No meu caso, o câncer trouxe, também, coisas boas. Não fosse pela doença, talvez eu não tivesse voltado a conversar com meu irmão, com quem estava brigada havia três anos. Falo, também, que a doença me fez resgatar algumas amizades antigas. Por conta da correria de cada um, a gente não se via com frequência. Fazia grupo, marcava e não dava certo. Agora, a gente se vê sempre, nossos filhos brincam juntos. A doença também reforçou uma coisa que já tentava praticar comigo mesma: julgar menos as pessoas. A gente não sabe a batalha de cada um”.Claro que há os percalços. Afinal, o câncer é uma doença séria, de tratamento difícil e Sara não foi imune aos sofrimentos trazidos pela medicação, pela quimioterapia. “Tive meus momentos de passar muito mal, de falar que ia morrer, de não querer prosseguir com o tratamento, porque a cada quimio são dez dias passando muito mal. Mas, a cada mês eu estava pronta para nova sessão, porque sabia que ia me ajudar a melhorar”.Sara conta que além da fé, o apoio da família também é fundamental para a melhora contínua da pessoa que está tratando câncer. “Se você tem alguém com câncer por perto, faça tudo para ela se sentir bem, sem dores. É a dor que mata a gente. E se é você que está com câncer, não se isole, não deite na cama e não desista. Se cuide, se trate, viva a vida, beba sua cerveja, se você gosta, e ame quem está por perto”, disse ela, sempre fazendo uma menção especial ao seu filho, Paulo Eduardo, de 4 anos. “Ele é minha força, também”.Depois de seis meses de tratamento e de uma cirurgia para a retirada do seio, Sara, que apresenta o programa de variedades Tradição Regional, na Nova TV Franca, se sente pronta para voltar às atividades. “Não vejo a hora de trabalhar, de cobrir corridas hípicas (uma de suas paixões)”. E é com essa energia boa que ela começa o ano e conta as novidades. “Para eu poder fazer o programa com tempo, sem estresse... afinal, estresse é a última coisa que posso ter agora, vamos passar o programa só para as mídias sociais. Já estou empolgada com a novidade”.

Apesar dos avanços da medicina, o câncer ainda causa muito medo e tem um impacto muito forte para as pessoas que recebem esse diagnóstico. No momento exato que você ficou sabendo que tinha câncer, qual foi a primeira coisa que você pensou?
Não pensei nada na hora. Na verdade, procurei não pensar por muito tempo. Fui vivendo cada condição que surgia, dia após dia. Porque achei que esse era o jeito mais fácil de conseguir lidar com isso. Até porque eu não tinha nada! Eu não tinha dor, não sentia absolutamente nada. Então, não fiquei pensando no diagnóstico, nem na doença. Na verdade, pensei “vou viver”. Não no sentido de fazer loucuras, não. Pensei, vou viver minha vida. Eu tinha perdido um tio dois anos antes de câncer, minha tia teve câncer, então eu já sabia como era. Por isso resolvi realmente viver um dia de cada vez. Para você ter uma ideia, tomei cerveja até um dia antes de começar minha quimio. E tenho mantido esse pensamento desde então. Vivo, vejo meus amigos, estou com minha família, curto meu filho, me divirto. Tem amigo que até brinca dizendo “será que a Sara está sofrendo, mesmo?” (risos).

E você não sofreu em nenhuma ocasião nesse período de tratamento?
É claro que tive aqueles momentos de “meu Deus”, porque houve situações em que passei muito mal, teve horas que falei que não ia aguentar, que ia morrer, teve momentos de não querer prosseguir com o tratamento. Mas, a cada mês eu estava pronta para a nova sessão de quimio. Até parece que a gente não vai fazer, né?

E o que aconteceu que fez você chegar a pensar em não prosseguir com o tratamento?
Eu estava com tumor no seio e na axilia e a medicação é muito forte. A quimio castiga a gente. A cada sessão de quimio, você fica uns dez dias passando muito mal. E é um mal estar que não tem como descrever. É assustador. Só quem fez quimio vai entender. Você perde o paladar, você fica fraca, debilitada, a pressão cai, qualquer coisa que você faz, te derruba. Um copo de água gelada pode te dar uma dor de garganta. O estômago fica ruim, enfim, fácil não é. Mas eu digo que a única coisa que me desestabiliza de verdade é doença com o Paulo Eduardo, meu filho de 4 anos. Para outras coisas, sou muito forte. E encarei.

Você acabou as sessões de quimio em dezembro. Qual foi o pior momento?
Bem, quando fiz a primeira quimio, fiquei até contente, porque não me senti mal na hora. E as pessoas costumam dizer que a primeira é reflexo do que vira nas próximas. E, considerando pelo que muitas passam, não posso reclamar. Por exemplo, tenho horror de vomitar, você não tem ideia. Tem gente que fica vomitando dias seguidos. Graças a Deus, não vomitei. Depois da primeira quimio, voltei dirigindo, de tão bem que me sentia. Mas, depois, em outros momentos, tive cólicas intestinais muito fortes, dores indescritíveis, chorava de dor. E minha outra preocupação era com o cabelo (risos). Sempre fui muito vaidosa, adorava meu cabelo comprido, cuidava muito.

O que passou na sua cabeça sobre a perda de cabelo? Foi mesmo só uma questão estética ou é porque você se preocupou com a reação do seu corpo ao medicamento.?
Olha, é muito estranho e no começo foi muito difícil. Mas no meu caso, o que mais me preocupava era a questão estética mesmo. Eu nem saia de casa com o cabelo molhado. Sempre arrumado, de escova. Então, a possibilidade de perdê-lo me deixou mal. Daí, peguei uns lenços, coloquei na cabeça e pensei: “meu Deus! Vou ficar feia pra burro sem cabelo!” (risos). Então, fui para São Paulo atrás de peruca, porque eu não sabia como ia ser, queria me preparar. O bom é que não fiquei pensando em morrer, em ficar ruim... fiquei pensando em ficar bonita.

E como você ficou quando seu cabelo realmente caiu?
Nossa, foi horrível. Minha casa ficava cheia de cabelo. Um dia estava no banheiro e uma boa parte do meu cabelo caiu de uma vez. Chorei muito, foi bem difícil. Daí, peguei a tesoura e eu mesma cortei bem curtinho. Depois fui na minha irmã e ela me ajudou a rapar e já coloquei uma peruca. Nunca quis andar sem cabelo, porque o olhar das pessoas me incomodava. Não queria ver um olhar de dó das pessoas ao ver minha situação. É engraçado porque, por pior que eu estivesse, mas se eu estivesse de peruca, não percebia nenhum olhar diferente. Mas, nas poucas vezes que saí careca - quando passava mal e tinha que correr para o hospital - via esses olhares. As orações que recebi das pessoas que liam meus posts e rezavam por mim, foram fundamentais; as pessoas não têm ideia do quanto isso ajuda. Mas o olhar de dó eu nunca quis.

Como seu filho reagiu ao ver você careca?
Antes do meu cabelo cair, eu já tinha explicado para ele o que ia acontecer. Quando rapei tudo, coloquei a peruca, chamei ele, expliquei de novo e tirei a peruca, meio apreensiva com a reação dele. Daí ele olhou e disse: “mamãe carequinha” e voltou a jogar vídeo game. Fiquei aliviada. Depois, em alguns momentos, quando eu ia levá-lo na escola, ele pedia: “mãe, tira a peruca para a tia te ver careca”. Virei sensação (risos)

Você falou sobre o sofrimento físico, as dores, a parte estética... Esse processo mudou algo em sua essência?
Comecei a reconhecer de verdade os valores, querer viver bem. Entender que hoje você está aqui, mas amanhã pode não estar, então, o importante é fazer o máximo pelas pessoas e com pessoas que estão com você. Falo que a doença me fez resgatar algumas coisas, resgatei amizades antigas, que por conta do dia a dia a gente não se via com freqüência, ficava só marcando e nunca dava. Hoje em dia a gente se vê sempre, nossos filhos brincam juntos.

E em seu comportamento em relação ao outro, mudou alguma coisa?
A gente julga muito fácil as pessoas e acho que melhorei muito nisso. Nunca gostei muito de fofoquinha, mas acaba que às vezes, quando você percebe, está comentando a vida de outra pessoa. E hoje em dia penso: “afinal de contas, o que eu tenho a ver com isso?”. Então, comecei a me policiar mais e passei a querer ver as pessoas de forma diferente. Mesmo dentro de casa, com a minha família, tento reduzir comentários sobre outras pessoas. Se começam conversas desse tipo eu já chego e digo “gente, vamos falar de coisa relevante?”.

Sara, você disse que descobriu o câncer no auto-exame. Conte como foi isso.
Como eu disse, tenho casos de câncer na família, minha tia teve câncer, um tio meu morreu de câncer, então, estava sempre atenta e fazendo o auto-exame. E senti um nódulo no seio, em setembro de 2017. Fiz mamografia e apontou que era uma calcificação. Fiquei tranquila. Em abril de 2018, senti outro nódulo, no mesmo seio. Aí a mamografia acusou um nível de alteração alto, transformando a suspeita em quase certeza. Quando o resultado saiu, a assistente social que me ligou pra avisar, já me encaminharam para o ginecologista, ultrasssom... enfim. Mas o diagnóstico final só temos com a biópsia. Em junho fui em Passos (MG) fazer o exame e aquele foi o dia mais triste. Ainda sem o exame, perguntei para a médica quais era as chances de ser câncer. E ela disse: “Já é. Vou só colher o material para a biópsia, pra ter o resultado oficial, mas já sei que é câncer”.

Como você ficou depois que saiu do consultório?
Eu tinha ido sozinha porque não queria preocupar minha família. E na hora, como te falei, procurei não pensar em nada. Só no que eu tinha que fazer a partir de então, nos exames, em sarar. Mas claro que foi um baque e, no caminho de volta para Franca, vim chorando muito. Eu tinha que pegar meu filho na casa da minha tia, mas eu não queria que eles me visse naquele estado, então, liguei pro meu irmão mais velho e pedi ajuda. Fazia três anos que a gente não conversava, por uma briga besta, nem lembro mais o motivo. Expliquei para ele o que estava acontecendo, como eu estava e disse que não tinha condições de pegar meu filho. Ele só falou: “Eu te amo e o que tiver que ser, estamos juntos”.

Quando acabaram a sessões de quimioterapia? Quanto ainda falta do tratamento?
As sessões acabaram no dia 4 de dezembro de 2018. Foi um processo de seis meses. Agora falta fazer a radioterapia e, depois, mais 5 anos de medicação. Ainda tenho câncer, não tenho mais o tumor. Depois desses 5 anos, se ele não voltar, aí posso dizer que estou curada.

As quimios acabaram em dezembro. Quanto tempo pro cabelo voltar a crescer?
Em fevereiro ele voltou a crescer, tenho passado produtos e já sinto uma mudança e ele já está grandinho (nesse momento, Sara, espontaneamente, tira a peruca e abre um lindo sorriso, mostrando que já tem a cabeça coberta de um cabelo bem curtinho). Não fico muito sem peruca, mas essa sou eu (risos).

Sara você pontua tudo que fala com um sorriso, tenta dar leveza até aos relatos de momentos mais difíceis. Isso é muito presente nos seus posts, também. O que você diria para uma pessoa que eventualmente esteja passando pelo mesmo que você, mas que não está conseguindo encontrar essa energia mais positiva, não está conseguindo sorrir?
Primeiro lugar é ter Deus. Sempre. Não é só procurar quando se está ruim. E agradecer faz a diferença. Agradecer sempre, por tudo. Fé e oração são fundamentais. Não sei rezar muito bem, mas li que Deus vê o que a gente tem no coração, as boas intenções, seu querer ficar bem, e isso já é forma de rezar e agradecer. E se esconder não é uma boa. Quanto mais gente souber o que você está passando, quanto mais gente estiver rezando, torcendo por você, melhor. Faz muita diferença! E nisso o Facebook me ajudou.

Qual a relevância que esses posts e o retorno que recebeu por eles tiveram durante esse período?
O tanto de pensamentos bons que foram dirigidos a mim pela rede, são incontáveis. Na hora que cada pessoa escreveu algo de bom para mim, ela me desejou algo de bom e eu acredito muito em energia. Isso me fez bem. Quando as pessoas falam: perdemos alguém pro câncer, nem sei se é perder. Porque, na verdade, todo mundo vai morrer e cada um vai morrer de um jeito e ter câncer não significa morte. Tem gente que recebe um diagnóstico desses, deita na cama e não morre nem de câncer, morre de tristeza. Então, temos que encarar. Lembro que fiz um post quando morreu um atleta de Cássia. No acidente, morreram ele e a esposa grávida, e eles deixaram um filhinho de um ano. Eu estava doente e eles não tinham nada e, mesmo assim, eles se foram. Daí a gente tem que parar e fazer uma reflexão. No final, a gente tem que viver bem, aproveitar enquanto está aqui.

Você fala muito de gratidão. Muitos de seus posts têm essa mensagem. Você é grata pelo diagnóstico?
Sou. Acho que se eu não tivesse ficado doente, talvez não tivesse voltado a conversar com meu irmão ainda. Nem lembro porque brigamos, mas ficamos 3 anos sem nos falar. E fiquei muito feliz de voltarmos a conversar. Se não tivesse ficado doente, talvez não tivesse me reaproximado tanto de meus amigos. Depois de tudo que passei, ficaram os bons e os verdadeiros amigos. Algumas pessoas se afastaram... não sei se por receio, por não saber lidar ou porque não era importante a nossa relação. Mas os que ficaram, os que se aproximaram durante esse período, valem a pena.
 

Fale com o GCN/Sampi!
Tem alguma sugestão de pauta ou quer apontar uma correção?
Clique aqui e fale com nossos repórteres.

Comentários

Comentários