“Na prática, a teoria é outra”. O dito popular, de autoria desconhecida, sintetiza como governar é substancialmente diferente de criticar - ou de fazer campanha. Que o diga o presidente Jair Bolsonaro (PSL), empossado na última terça-feira em clima de absoluta lua-de-mel com grande parte dos brasileiros, com o mercado financeiro, com os governadores, senadores e deputados eleitos. Parecia inatacável - e “incriticável”.
Bastou tomar posse, assumir as rédeas e começar a governar para que os problemas e dificuldades surgissem. E se multiplicassem, rapidamente. Foram apenas três dias úteis de trabalho nesta primeira semana de governo, mas o vai-volta-muda-recua assustou. O apoio continua robusto. Mas a unanimidade, parece bem mais distante.
É bom que se diga que houve muitos acertos nas primeiras horas. Alguns bons discursos de ministros, especialmente o de Paulo Guedes, comandante da economia, marcado por posições firmes, sem medo de enfrentamento. Tem havido também grande consistência com o que foi dito na campanha, o que é surpreendente num país onde o que se promete na disputa eleitoral raramente ecoa nas ações do eleito. Mas os problemas são muitos. Quase todos provocados pela afobação do presidente da República.
Primeiro, foi o anúncio de que haveria um “pequeno” aumento no IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) para custear alguns subsídios aos estados do Norte e Nordeste. Quem falou isso foi o próprio Bolsonaro. Também foi ele mesmo que disse que o teto de tributação do IR (Imposto de Renda) seria reduzido de 27,5% para 25%. Minutos depois assessores de Guedes rumaram para o Palácio do Planalto para esclarecer a confusão e, na sequência, desmentir o presidente. Como parece claro, diferente do que disse Bolsonaro, nem o IOF sobe, nem o IR cai.
O presidente ainda se meteu a detalhar uma “nova” reforma da previdência, com idade mínima de aposentadoria de 62 anos para homens e 57 anos para mulheres, o que desagradou os mercados. Até entre os militares algumas falas do presidente geraram críticas. A principal delas, a sua pretensão de permitir que os Estados Unidos instalem uma base aérea em território nacional, o que sempre foi rechaçado pelos oficiais brasileiros de distintos governos.
Tudo isso, claro, sem falar na infeliz declaração da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, que num vídeo saudou a “nova era” bradando que “meninos vestem azul, meninas vestem rosa”, numa afirmação tão conservadora e reacionária que até meu bisavô italiano, se vivo estivesse, certamente rechaçaria. A sexualidade é muito complexa – mas, certamente, não se define pela cor de uma roupa. E, graças a Deus, nem pelo cérebro da ministra.
Ainda no tópico vídeos, houve a postagem ridícula de Renata Santoliver, amiga da primeira-dama, que passou o Ano Novo com a família presidencial. A tal Renata passeia pelo Palácio da Alvorada e filma tudo, fazendo piadas e comentários idiotas. Para completar, se senta na cadeira do presidente e ainda pula de roupas na piscina. O respeito à liturgia do cargo, pelo visto, passou tão longe como nos tempos de Lula.
Nenhum governo se define por três dias – nem para o bem, nem para o mal. Mas que os muitos solavancos em tão pouco tempo sirvam de alerta ao presidente Jair Bolsonaro. Candidato diz o que quiser; presidente, não, porque qualquer declaração impacta – e quase nunca, positivamente. A hora é de absoluto foco e seriedade. Pelo bem do Brasil.
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